Editorial: abuso de direito, exercício anormal do direito de ação

14/01/2013
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A efetividade do processo, à luz do direito processual civil contemporâneo, inclui a necessidade de que (a) os instrumentos de tutela sejam adequados aos direitos a resguardar; (b) sejam praticamente utilizáveis pelos titulares dos direitos cuja preservação ou reintegração se cogita; (c) ao julgador sejam asseguradas condições de convencimento, tanto quanto possível, fiel à realidade; (d) em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do processo há de ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento; (e) possa ser atingido semelhante resultado com o mínimo dispêndio de tempo e energias.

O abuso de direito processual, a litigância de má-fé, significa um entrave a tais necessidades. Embora, em princípio, os meios processuais conferidos ao titular da pretensão possam ser, aparentemente, adequados aos direitos que necessitam de resguardo, na prática, por meio do exame com as lentes adequadas, a escolha deles está à serviço da injustiça. A rigor, os instrumentos do abuso de direito processual não são os “utilizáveis”. Eles até são os “possíveis”, mas o uso deles é inadequado dentro de um devido processo legal que não pode servir à chantagem ou ao espírito emulativo.

Na presença de conduta de abuso processual, são excluídas ao juiz as claras condições de convencimento. Provas, fatos e o verdadeiro sentido das medidas judiciais são omitidos, a fim de se obter um provimento cuja função não é, no mais das vezes, assegurar à parte vitoriosa a utilidade da decisão, naquele procedimento. O que se deseja é um “pouco mais”, sempre escondido pelo agente do abuso. A rigor, haverá oportunidades em que nem mesmo a vitória no processo será relevante, o simples pedido já será suficiente para que se atinja o objetivo ilegal.

A lição de Barbosa Moreira ainda se aplica à vedação do abuso de direito no processo na medida em que propõe que o bem da vida a ser entregue no processo deva ser alcançado com o mínimo dispêndio de tempo e energias. A energia em excesso é sinônimo de abuso de direito processual e tem efeitos nocivos no que concerne ao tempo para solução da (ou das) contenda(s).

O processo – o devido processo legal –, para que possa atingir o seu fim, que é a entrega da justiça, deve ser um instrumento ético. Há que ser equânime e justo, seguindo os parâmetros éticos e morais da sociedade.
O processo até pode ser considerado um jogo, mas não é “um vale tudo”. Há regras que devem ser respeitadas. O processo civil é instrumento de pacificação social e tal atividade está além das pretensões das próprias partes. O processo é um verdadeiro jogo, um duelo, não só entre as boas razões para seu deslinde, mas também pela habilidade de se fazer uma boa razão, sem abuso.

Nesse contexto, as partes, os intervenientes, os advogados, os serventuários da justiça, os magistrados e os demais envolvidos na distribuição da justiça (inclusive peritos, tradutores etc.) têm o dever de respeitar as regras do jogo, de forma proba, sob pena de a cláusula do devido processo legal ser infringida no exercício da jurisdição. Caso o “fair play” não seja respeitado, é preciso reparar o dano a quem o sofreu.

No Brasil, nas instâncias inferiores e nos tribunais superiores, a aplicação de multa, por litigância de má fé, não é uma prática usual, pelo menos, da forma que deveria ser, já que a Lei Processual possui dispositivos claros que determinam a aplicação da multa, toda vez que infringida a regra do convívio harmonioso e legal.

Lamentavelmente, quem mais abusa é justamente quem mais poder detém. Principalmente os bancos, empresas de telefonia, cartões de crédito, planos de saúde, seguradoras, empresas de tv a cabo, que são os maiores “clientes” do Poder Judiciário.

Os abusos são frequentes dentro do processo, a ponto de se concluir que o processo melhor serve a quem não tem razão, pois quem a detém passa por uma verdadeira “via crucis” para ver atendida sua pretensão. Esses poderosos litigantes pouco se importam se têm ou não razão. Para eles não faz diferença se a jurisprudência é contrária as suas práticas. Seguem fazendo o que sempre fizeram, até porque muitos dos poucos que têm a coragem, dinheiro e paciência de chegarem ao Poder Judiciário acabam “cansando” no meio do caminho.

Assim, a lentidão da justiça, muitas vezes, não é culpa exclusiva do juiz. É culpa da parte que abusa e culpa do juiz que não pune, ou que aplica a lei somente em favor dos poderosos. Por isso, quando o judiciário é flácido e deixa o processo seguir de acordo com os “ventos da litigância desleal”, como uma nau à deriva, o Estado passa a se incluir como um dos atores do abuso, na posição de verdadeiro cúmplice.

No dia 6 de janeiro deste ano, o Superior Tribunal de Justiça, mesmo no período de seu recesso, divulgou uma preciosa notícia, com o seguinte título: “Litigância de má fé: a ampla defesa desvirtuada pela malícia processual”.

O artigo conclui que o tribunal começa a punir a litigância de má fé, diante de práticas processuais meramente protelatórias ou mesmo em evidente deslealdade processual.

É uma extraordinária notícia, mas não basta ficar somente na notícia, é preciso aplicar de forma contundente penas, que no caso, são multas previstas na lei processual, a todos que desrespeitem a Lei, mesmo que sejam bancos, empresas de telefonia, cartões de crédito, planos de saúde, seguradoras, empresas de tv a cabo, etc., contumazes violadores da legislação brasileira.

Não é necessária nenhuma reforma do Código de Processo Civil, que já passou por inúmeras e os problemas só fizeram crescer. Não é a quantidade de recursos que promove a demora na aplicação da Lei. No quadro atual, não há que se falar em falta de estrutura, de funcionários e de juízes, antes de mais nada é preciso cumprir a Lei.

Não é mais possível suportar que um processo tramite por mais de quinze anos nos tribunais brasileiros. A Justiça é morosa, mas é muito mais leniente e deve, imediatamente, retirar a venda e enxergar que o processo não pode servir como um meio para quem não quer a justiça.
 
13/01/2013
 
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