O debate que o PT deveria fazer no seu V Congresso
27/11/2013
- Opinión
A realização de uma reforma política que corrija as distorções do sistema eleitoral e partidário brasileiro e a criação de um arcabouço legal para regulamentar a mídia eletrônica no país de forma a impedir a existência de oligopólios. Estes foram apontados como os dois grandes desafios de um eventual segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff no debate que reuniu na noite de terça-feira (26), no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, quatro ex-ministros do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O debate “Perspectivas para o Brasil”, organizado pelo Instituto Brasileiro de Estudos Políticos (Ibep), teve a participação dos ex-ministros Franklin Martins (Secretaria de Comunicação), Samuel Pinheiro Guimarães (Secretaria de Assuntos Estratégicos), José Viegas (Defesa) e Roberto Amaral (Ciência e Tecnologia).
Principal elaborador do plano de regulação da mídia finalizado ainda no governo Lula e que atualmente repousa em uma das gavetas do Palácio do Planalto, o jornalista Franklin Martins defendeu que a criação de “um marco regulador para as comunicações eletrônicas” seja uma das principais bandeiras para uma próxima etapa de governo e rebateu as críticas ao projeto:
Principal elaborador do plano de regulação da mídia finalizado ainda no governo Lula e que atualmente repousa em uma das gavetas do Palácio do Planalto, o jornalista Franklin Martins defendeu que a criação de “um marco regulador para as comunicações eletrônicas” seja uma das principais bandeiras para uma próxima etapa de governo e rebateu as críticas ao projeto:
“Dizer que a regulação é para tirar a liberdade de imprensa é uma bobagem sem tamanho. Todas as democracias do mundo têm regulação nas áreas das comunicações eletrônicas. Os Estados Unidos, por exemplo, regula pelo viés econômico e proíbe a propriedade cruzada. Lá, um mesmo grupo de mídia não pode ter ao mesmo tempo rádio, televisão e jornal em uma mesma cidade ou estado. Não pode, ele tem que escolher entre um deles. Na Europa, eles regulam isso também, tem que ter equilíbrio, respeito à privacidade e uma série de outros elementos”.
Para que a discussão avance, Martins propõe “desideologizar o debate” entre os diversos setores da sociedade: “Se estão preocupados que isso vai ameaçar a liberdade de imprensa, eu proponho o que está na Constituição, nem mais nem menos. Liberdade de imprensa, respeito à fonte, proibição à propriedade cruzada, proibição ao oligopólio, apoio à produção regional e independente, apoio à cultura nacional e regional. Tudo isso está na Constituição, é só pegar aquilo que está lá e fazer valer. Acho que esse é um debate que a sociedade precisa travar, primeiro porque é crucial para a própria sociedade que a informação tenha pluralidade. Precisamos ter regras, porque senão não têm investimentos nem participação. É preciso ter regras para dizer para onde vão as coisas. Se nós não fizermos isso, vencerão os mais fortes, vencerá quem é mais forte no mercado e teremos oligopólios piores do que já temos hoje”, disse.
O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães disse que a batalha política em torno de um marco regulatório para as comunicações no Brasil poderá se tornar a mais difícil a ser travada pelo governo petista nos próximos anos: “Nós sabemos do que acontece no presente, assim como nós sabemos da história, prioritariamente através dos meios de comunicação. Eles formam e controlam o imaginário das pessoas. O poder econômico tem uma gigantesca influência sobre as comunicações, porque esse é um ponto central de controle da sociedade. Qualquer governo que mexa nisso sofrerá a fortíssima oposição da articulação do capital. Por isso, é tão difícil fazer a reforma dos meios de comunicação. Não se trata da produção de geladeiras, mas da produção das ideias, do imaginário e das políticas”.
Franklin Martins avalia que ainda não há acumulada força política suficiente para aprovar a regulação das comunicações eletrônicas: “Quem coloca esse assunto na pauta apanha o tempo todo. Só colocará esse assunto na pauta e o levará para frente quem considerar que isso é uma prioridade para o país. Se considerar que é apenas algo ‘interessante’, é certo que não sairá do papel”, disse. O ex-ministro, no entanto, acredita que a sociedade, mais cedo ou mais tarde, será ganha para essa reforma: “As manifestações de junho demonstraram uma insatisfação monumental com o oligopólio existente nos meios de comunicação. Nós precisamos de mudança nessa área não para coibir, censurar ou asfixiar. Mas, para multiplicar, para florescer, para não deixar que poucos controlem uma área tão vital”.
Constituinte
Outra prioridade de um eventual segundo governo Dilma, segundo os ex-ministros de Lula, é a reforma política: “É indispensável. Se não fizer, não tem jeito. Nós temos uma situação muito esdrúxula no Brasil. Temos um sistema político absolutamente eficaz, transparente e público apenas nas eleições majoritárias. Depois que a Constituição aperfeiçoou e fez os dois turnos, o povo escolhe e tem o que escolheu. As alianças para o segundo turno são feitas mais pelos eleitores do que pelos partidos. Já na eleição proporcional é o contrário. Nós temos uma eleição que não significa absolutamente nada. O povo vota em um candidato e elege outro, vota em um partido e a maioria é dada para outro. Isso porque esse sistema tornou o deputado o dono do mandato. Ou melhor, quem financia o deputado é o dono do mandato”, disse Martins.
Martins chama a atenção para o fato de que até dez anos atrás toda a grande imprensa falava na necessidade da reforma política, mas que essa necessidade foi “esquecida” hoje em dia pelos grupos que controlam a mídia no Brasil:
“Interessam às forças conservadoras do Brasil você ter uma representação política que funcione como um freio à maioria que o povo definiu nas eleições majoritárias. As manifestações de rua passaram que quem manda na política é o dinheiro, não é o cidadão. A Dilma deu uma resposta para isso com a proposta do plebiscito e da Constituinte, mas a reação de todo mundo foi dizer: peraí, a Dilma tá maluca, vamos continuar conversando. Já se passaram meses, e o que dependia do Executivo avançou, mas o Congresso sentou em cima do que dependia dele. Se depender do Congresso, do poder econômico, da mídia e da oposição, não haverá reforma política nunca. Eu espero que a Dilma defenda claramente durante a campanha pela reeleição a necessidade de se convocar uma Constituinte para fazer a reforma política”.
Samuel Pinheiro Guimarães afirmou que a reforma política é crucial para o desenvolvimento do Brasil: “O desenvolvimento político significa uma participação cada vez maior, mais ampla e mais intensa da população, tanto no processo de eleição dos seus representantes quanto no processo de elaboração das políticas públicas. Isso que é democracia. É preciso diminuir a influência do poder econômico sobre os candidatos, o processo eleitoral e a execução das políticas. E também nos três planos do Poder de Estado, já que no Brasil é muito grande a influência do poder econômico no Executivo, no Legislativo e no Judiciário”, disse.
Desenvolvimento
Guimarães fez ainda um alerta para que o governo não caia no discurso de defesa da educação como bandeira única, o que, segundo ele, seria reducionismo: “Achar que a educação vai resolver todos os problemas da sociedade brasileira é um grave equívoco. A educação substitui no imaginário das pessoas as verdadeiras soluções para os problemas brasileiros, como as reformas agrária, urbana e tributária. Esta última deveria ter o objetivo de evitar a evasão de tributos, que é extraordinária no Brasil. Algo que leva, por exemplo, a existir nos paraísos fiscais US$ 530 bilhões de proprietários brasileiros”, disse. Como principais desafios a serem enfrentados nos próximos anos, o ex-ministro cita a redução da concentração da propriedade e da renda, a diminuição do controle das multinacionais sobre o setor industrial e o combate às desigualdades sociais: “Principalmente a desigualdade de gênero, e a desigualdade de origem étnica, ambas associadas à desigualdade de renda”.
O embaixador criticou ainda as “políticas econômicas que restringem e dificultam o crescimento econômico”, como a representada pelo chamado tripé, composto por metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário nas contas públicas: “Esse tripé favorece a concentração da renda e da propriedade e dificulta a redução das desigualdades sociais. A política econômica deveria ser voltada para o desenvolvimento, e não para o equilíbrio financeiro”, opinou Guimarães, antes de provocar o riso da platéia: “O Plano de Metas de Juscelino Kubitscheck, que transformou o país, jamais seria aprovado hoje pelo Copom (Comitê de Política Monetária)”.
O também diplomata José Viegas, que ouviu mais do que falou durante o debate, lembrou que a era neoliberal inaugurada na época de Margareth Thatcher e Ronald Reagan arrasou as menores economias nacionais, e que seus efeitos são perceptíveis ainda hoje: “Nosso tamanho nos tem permitido sobreviver nesse mundo, mas o Brasil está sofrendo um processo de desindustrialização. Em 2012, isso era ainda uma interrogação, mas em 2013 já é uma afirmação. A resolução desse problema é extremamente difícil e requer ajustar alguns parafusos soltos, como as taxas de desperdício muito fortes e o baixo controle sobre a execução dos serviços. Nossa telefonia celular, para citar um exemplo, é horrível e é a mais cara do mundo”, disse o ex-ministro de Lula.
Presidente do Ibep e único integrante do PSB a compor a mesa, Roberto Amaral manteve silêncio diplomático em face de um debate que acabou focado nos desafios de um eventual segundo mandato de Dilma. Amaral, que apoiará Eduardo Campos nas eleições do ano que vem, se limitou a mediar o debate, mas não deixou de celebrar o sucesso do instituto, que foi criado em maio de 2012 e reúne pensadores de diversas tendências da esquerda brasileira. O Ibep produziu o documento “A Crise Mundial, a Defesa do Brasil e a Paz”, que foi distribuído à plateia que lotou o auditório do Clube de Engenharia do Rio: “Esse evento nos dá força para continuar a pensar o Brasil”, disse o socialista.
Créditos da foto: Arquivo
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