Os dois candidatos de oposição e a agenda anti-desenvolvimentista
14/09/2014
- Opinión
O objetivo deste artigo é identificar mais uma barreira a nos manter na incômoda antessala do desenvolvimento: o retorno da agenda anti-desenvolvimentista.
Esta barreira – que havia sido apenas parcialmente deslocada – volta agora com força redobrada.
É importante reconhecer que ela não emergiu como mero fruto do acaso. A dificuldade de viabilizar uma nova agenda desenvolvimentista – para o que contribuíram as ilusões gestadas no campo progressista sobre a variedade de capitalismo no Brasil e a estranha coalizão de poder que a sustenta – foi parteira do seu adversário, que tenta voltar ao passado (será possível?).
Adversário que tenta recuperar a agenda mais ampla do Plano Real, abortada pela crise externa dos anos 1990 e pelas reações da sociedade.
Quem são os anti-desenvolvimentistas? Economistas com livre acesso à grande mídia e seu quartel-general encontra-se no Instituto de Estudos de Política Econômica, mais conhecido como a Casa das Garças, localizado no Rio de Janeiro.
Por que anti-desenvolvimentistas? A afirmação pela negativa não tem qualquer conotação pejorativa. Aliás, eles rejeitam qualquer filiação com a tradição do desenvolvimentismo no Brasil.
O prefixo “anti” se justifica ademais pelo desapreço que têm pelas peculiaridades nacionais – ponto de partida central do desenvolvimentismo -, preferindo aplicar uma farmacologia pretensamente universal, mas em desuso principalmente nos países onde adquiriram a sua formação acadêmica.
Mais recentemente, eles estão se reorganizando em torno de grupos sociais poderosos, tendo inclusive elaborado o programa econômico dos dois candidatos de oposição.
Saindo-se Dilma vitoriosa nas eleições, eles se farão presentes por meio de seus emissários, tentando interferir nos rumos da política econômica, ao mesmo tempo em que – por meio de suas conexões com alta finança – tratarão de acender um rastilho de pólvora nas expectativas do “mercado”.
O que querem os anti-desenvolvimentistas? Eles defendem uma ainda maior abertura da economia brasileira por meio da redução das tarifas de importação e a assinatura de acordos comerciais com os países desenvolvidos.
Pregam também a redução da carga tributária e do gasto público, além da diminuição do papel dos bancos públicos e desenvolvimento na economia brasileira. Quanto à infraestrutura, acreditam que o Estado deve aceitar a rentabilidade imposta pelo mercado.
Vale lembrar que volta a velha cantilena de que os juros só podem cair com o ajuste fiscal. Versões mais recentes advogam que o contrato social da democratização estaria com os dias contados. A valorização do salário mínimo também passa a ser criticada, pois engessaria a competitividade do País.
Cabe, então, a seguinte pergunta: o que vai acontecer depois de uma nova abertura extremada com elevação dos juros, corte dos gastos do Estado, aumento das tarifas de serviços públicos, contenção salarial e retirada dos estímulos do setor público ao investimento?
Corremos o risco de conviver com estagnação e queima de reservas. Elos já esgarçados da cadeia produtiva vão se perder e nada assegura que o País avançará rumo aos setores mais intensivos em tecnologia, dos quais continuaremos importadores, como já acontece hoje.
O mercado interno, nosso principal ativo, desacreditado durante os anos 1990, e recuperado nos anos 2000, pode ter o seu potencial de expansão mais uma vez desperdiçado. A redução da desigualdade estaria comprometida.
O discurso de todo anti-desenvolvimentista dos dias de hoje encontra-se estruturado da seguinte forma: estamos isolados internacionalmente, sofremos do pleno emprego e precisamos de mais educação.
Empiricamente, não faz sentido dizer que o Brasil está ausente das cadeias internacionais de valor. Um rápido olhar para os déficits do setor industrial com a China, os Estados Unidos e a Europa revela que estamos bastante integrados, mas de forma passiva.
A questão, pois, não é abrir ou fechar a economia brasileira, mas definir quais padrões de integração queremos (e podemos) desenvolver com os novos centros da economia-mundo capitalista.
Que setores produtivos e nichos de mercado podem ser internalizados e, de que forma, com tecnologia estrangeira ou desenvolvida nacionalmente por empresas transnacionais, estatais e de capital privado nacional?
Tampouco se pode dizer que o custo do trabalho cresce, de maneira “generalizada”, por conta do “pleno emprego”, como insistem os anti-desenvolvimentistas.
Ao contrário, o que estamos presenciando é uma recuperação, ainda em curso, dos salários de base, essencialmente por meio do salário mínimo, a qual pode ter continuidade num contexto de ampliação da produtividade do capital e do trabalho, por meio dos gastos de infraestrutura, qualificação e inovação, num contexto de maior diversificação produtiva e aumento das economias de escala.
Esta perspectiva está ausente do discurso anti-desenvolvimentista. A sua fórmula para assegurar o aumento da competitividade é composta das seguintes variáveis: economia aberta, salários contidos, menos impostos e mais educação – esta última geralmente tida como “variável” ad hoc, adicionando uma pitada de boa consciência à equação mágica. Só não dizem como vão financiá-la num contexto de forte ajuste fiscal…
O enfrentamento a esta agenda depende da reconstrução de uma utopia e de uma práxis efetivamente desenvolvimentistas, o que transcende os limites estreitos da política econômica.
Depende também da compreensão de que não existe um único padrão de desenvolvimento e tampouco uma relação de dicotomia entre Estado e mercado. Isto porque a criatividade na construção de esferas públicas decisórias soberanas – vinculadas às novas demandas da sociedade e às necessidades de expansão do setor privado com maior incorporação de tecnologia – é o grande desafio do desenvolvimento em qualquer tempo e lugar, por mais que as soluções encontradas resultem das especificidades de cada realidade histórica.
(Este artigo é uma versão bastante resumida e alterada de outro, com o mesmo título, publicado na “Revista Teoria & Debate”, edição 118, 12 de novembro de 2013)
- Alexandre de Freitas Barbosa é professor de História Econômica e Economia Brasileira do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP)
15/09/2014
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