Reforma agrária: Os números que o governo embaralha

28/04/2005
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Gestão do PT assentou, em projetos próprios, 38,3 mil famílias em dois anos, não 117 mil, como costuma anunciar Honrar compromissos não é um princípio que vale para todas as metas anunciadas, até o momento, pelo governo Lula. Se, com o setor financeiro, os acordos vêm sendo cumpridos à risca, a mesma regra não vale para as questões sociais. Em 2004, por exemplo, o governo superou, com folga, a meta acordada com o Fundo Monetário Internacional (FMI) de fazer um superávit primário (economia dos gastos públicos) de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB), atingindo 4,61%. Já a história das metas de reforma agrária é um enredo de desinformação com um ponto em comum: o governo não cumpre suas promessas. A novidade, agora, é um número obtido com exclusividade pelo Brasil de Fato, mostrando que apenas uma minoria dos assentados em 2003 e 2004 foi, de fato, resultado de projetos iniciados no governo Lula. A maioria dessas 117 mil famílias contabilizadas pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) foi alocada em projetos criados durante governos anteriores (como o de Fernando Henrique Cardoso), ou simplesmente teve sua situação regularizada. Essa sutil diferença, omitida quando são divulgados os números oficiais, reforça o fato de que os compromissos do II Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) estão bem distantes de serem cumpridos. “Isso mostra que o processo está lento. O ritmo da reforma está menor do que precisaria ser”, avalia Plínio Arruda Sampaio, atual presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), que elaborou uma proposta de plano ao governo. Demora Os números mostram essa morosidade. Para 2004, o compromisso assumido pelo governo Lula previa o assentamento de 115 mil famílias. O Incra divulga que foram beneficiadas cerca de 80 mil famílias (70% da meta). Mas, de fato, apenas 25.735 mil (21% da meta) foram contempladas em projetos criados pelo governo Lula (veja quadro ao lado). As restantes foram alocadas em projetos de outros governos. Ocorre que não há informações se as famílias beneficiadas já estavam assentadas e tiveram sua situação regularizada. Tampouco se divulga se os contemplados estão substituindo justamente agricultores que deixaram os assentamentos justamente por não terem tido apoio para produzir. Não se trata de questões menores. Para Guilherme Delgado, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e um dos integrantes da equipe coordenada pelo Plínio Arruda Sampaio, isto representa um prejuízo para os objetivos do PNRA. “Primeiro, a meta original de um milhão de assentamentos em quatro anos foi reduzida para menos da metade (400 mil famílias). Depois, mesmo isso não está sendo cumprindo, nem contando junto famílias assentadas em projetos de outros governo”, observa. O geógrafo da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino, acrescenta que este tipo de mecanismo contribui para não reduzir o número de acampamentos. “O governo está contando, nas metas, as famílias beneficiadas em assentamentos já existentes”, explica. Critérios Para Delgado, os números não devem ser divulgados como se fossem uma coisa só. “É preciso fazer a observação. O governo Lula tem o mérito de ocupar um assentamento vazio, mas o investimento não foi feito por ele e, evidentemente, tudo não pode ser creditado ao seu governo”, considera. Segundo ele, o ideal seria elaborar uma estatística apontando o estoque de famílias assentadas, por período. A partir desse número, seria possível identificar se há crescimento no volume de beneficiados. “Somente dessa forma podemos perceber se há aumento no fluxo novo de assentados ou se trata de substituição”, afirma. O pesquisador do Ipea acrescenta que, historicamente, faltam transparência e critérios aos números da reforma agrária. “Não são números sistemáticos, não têm clareza. Qual é o conceito de assentado com que se trabalha? Ficamos nos fiando na informação de um assessor, de boca em boca”, diz. Delgado propõe que o governo crie um anuário estatístico da reforma agrária. “É o que já faz o Ministério da Previdência, que divulga todos os anos suas informações com critérios mais claros”, argumenta. Fantasma Esta discrepância nos números da reforma agrária já era sentida pelos movimentos sociais. “O fantasma do Jungmann (Raul Jungmann, ex-ministro de FHC) não foi embora do Ministério do Desenvolvimento Agrário. A maquiagem continua. Vínhamos dizendo que os os números não se sustentavam, da mesma forma como não se sustentavam os números do Fernando Henrique. O governo Lula tem de fazer uma profunda auto-crítica sobre o seu desempenho na reforma agrária. Até o momento, os números são pífios”, afirma o deputado estadual Frei Sérgio Görgen (PT-RS), integrante da Via Campesina. O ministro Jungmann ganhou notoriedade por inflar, de forma grotesca, os números da reforma agrária. Hoje deputado federal pelo PPS, o ex-ministro contabilizava nas estatatísticas as vagas abertas por assentamento – e não as famílias que, de fato, as preenchiam. “O governo FHC considerava, em seus números, até quem se inscrevia no Correio para ser beneficiado pela reforma agrária. Era uma coisa completamente caótica”, recorda Delgado. Mudança Esse procedimento foi alterado logo no início do governo Lula. Para Plínio Sampaio, o problema, agora, é que o tema reforma agrária não está recebendo a devida atenção no governo Lula. “É um problema orçamentário, não tem dinheiro. Demora muito para desapropriar porque a lei é muito ruim, estão pegando o que dá para assentar”, afirma o presidente da Abra. Sampaio não se empolga com a recente promessa do presidente Lula de liberar mais recursos para o ministro Miguel Rossetto. “Temos de ver quando esse dinheiro vai ser entregue, porque o Rossetto consegue que o Lula diga sim, mas a Fazenda demora para repassar”, analisa. Segundo ele, ainda é possível cumprir a meta de assentar as 400 mil famílias previstas no PNRA, mas, para tanto, será necessário destinar mais verba para esse fim. * Jorge Pereira Filho e Marcelo Netto Rodrigues. Brasil de Fato
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