Os riscos da dívida externa
10/06/2002
- Opinión
Uma série de equívocos têm sido propagados pelas autoridades financeiras e pela
imprensa em torno da dívida externa. São equívocos recorrentes, são os mesmos
três argumentos que tiveram audiência na segunda metade da década de 1970 e que
nos conduziram à crise de início dos anos 1980. Proponho aqui respostas aos
principais deles.
A dívida externa não precisa ser paga, pode ser rolada?
Para os defensores dessa posição, a dívida pode ser rolada indefinidamente com
novos empréstimos para cobrir as amortizações (são mais de US$ 30 bilhões/ano) e
com afluxo de capitais estrangeiros para compensar o pagamento de juros (em
torno de US$ 20 bilhões/ano). Este argumento é improcedente e ignora
conhecimentos mínimos de história, de geografia e de matemática.
Os trustes financeiros internacionais não colocam dinheiro nos países
periféricos : eles se apropriam das riquezas desses países por meio das rendas
e privilégios que aí lhes são concedidos : taxas elevadas de lucro, juros da
dívida pública e nacional, empréstimos públicos subsidiados e evasão fiscal. O
dinheiro ganho aqui é internacionalizado por meio de um grande banco global ou
vai para paraísos fiscais, e para aqui volta como capital estrangeiro! Mas
este circuito é finito, tem um limite dado pelo crescimento da economia e das
exportações, crescimento ao qual não temos acesso na atual conjuntura
internacional. Além do mais, o modelo adotado de crescimento para fora com
endividamento externo conduz inexoravelmente ao fracasso e à dependência.
A dívida pública externa é pequena e está sob controle?
Ninguém sabe exatamente quanto é a dívida pública externa, menos ainda quanto
será em futuro próximo. Os números fornecidos pelo governo referem-se apenas à
dívida do setor público não financeiro, excluem as garantias dadas pelo Governo
e não explicitam a parcela que foi feita com taxas variáveis de juros. Além do
mais existe sempre a possibilidade de estatização de parcelas cada vez maiores
da dívida externa privada, por razões muito semelhantes às que foram utilizadas
nos decênios de 1970 e 1980.
Esse argumento de que a dívida está sob controle é tanto mais falacioso quanto
mais fraco for o governo perante o capital internacional. No Brasil, não
dispomos mais de empresas públicas exportadoras (a Vale do Rio Doce e outras
foram privatizadas, a Petrobrás é alvo da cobiça internacional e já tem papeís
negociados em Wall Street !) e o governo só tem acesso a dólares fornecidos
pelos bancos, dólares que devem ser comprados a preços de mercado .... É por
isto que a dívida do governo também está sendo rolada no mercado internacional
de bônus, com taxas de juros altíssimas, mas até quando?
Os credores externos não têm interesse em uma crise econômica brasileira?
A dívida externa, e a crise que dela decorre, é sempre nacional, quer se trate
de dívida pública ou privada. Até a dívida de agentes econômicos estrangeiros
com estatuto de "residentes no Brasil" é considerada dívida do país, dos
brasileiros. E ela não pode ser paga com moeda nacional. A dívida externa e seus
encargos só podem ser quitados com a receita das exportações e do saldo
comercial, que tem sido ínfimo e não cobre, neste momento, nem 25% dos encargos
anuais do envidamento externo. As exportações não crescem há algum tempo e
enfrentam dois grandes problemas. Dependem majoritariamente de decisão de
empresas e trustes multinacionais e estão sujeitas à queda de preços : entre
1995 e 2001 o índice de preços das commodities caiu de 120 para 69, acusando
redução superior a 40 % !
Em razão das considerações anteriores, e dada a inexistência ou pequeno montante
do saldo da balança comercial, um bom indicador do nível de endividamento
externo, neste momento, é a relação entre Dívida Externa e Exportações. O
valor atual desse indicador é 4, e coincide com os níveis de meados da década de
1980, às vésperas de mais uma moratória ! As reservas internacionais, por seu
lado, não sustentam 1 ano de importações, nem os encargos anuais da dívida
externa incluídas amortizações.
Na fase atual de extrema fragilidade das contas externas, do Brasil e de outros
países periféricos, o Fundo Monetário, o G-7 e as altas finanças internacionais
estão pressionando pelo endurecimento das medidas que devam ser tomadas em caso
de inadimplência. Para o setor privado, defendem eles que os credores possam
assumir imediatamente o caixa das empresas em situação de "default"
(insolvência) Para o setor público a linha dura estrangeira está exigindo uma
intervenção na economia, por meio de um Comitê de Especialistas, com renúncia da
soberania do país endividado ! O FMI está estudando ainda adaptações da lei de
falências norte-americana aos casos de falência soberana.... Há em curso também
propostas de troca de dívida externa por território !
Novas dívidas e dólares clonados são úteis ou improdutivos ? ...
É no mínimo surpreendente que, dada a situação atual de grande vulnerabilidade
externa da economia brasileira, novas dívidas estejam sendo contraídas, com o
apoio - e quem sabe o aval - do governo brasileiro e das agências internacionais
de financiamento. Mas estão!
O Banco Central, por sua vez, age com a maior independência e com muito pouca
transparência. Desde 1998 ele vem ampliando progressivamente a dolarização de
uma outra dívida enorme - a dívida pública interna. E até já se fala que a
Petrobrás vai lançar debêntures indexadas à variação cambial, no Brasil ! Para
que servem esses dólares clonados ? O BNDES, por sua vez, faz dívida em dólares
no exterior para emprestar no mercado interno, em reais ! Também grandes
empresas e bancos, nacionais e estrangeiros, tomam dinheiro no exterior para
emprestar no mercado interno, em reais ! Muitas delas fazem seguros caros ou
penhoram, antecipadamente, suas receitas de exportação.
Este processo complexo, pouco transparente, dificilmente será detido sem uma
ampla participação da sociedade. Se há uma lei de responsabilidade fiscal, que
garante o sobrelucro dos agiotas e prioriza as dívidas financeiras em
detrimento das obrigações sociais, porque não podemos ter uma Lei de
Responsabilidade Nacional que coloque limites à dívida externa e à transferência
para o exterior do excedente econômico produzido pelos brasileiros, assegurando
de forma permanente a soberania da Nação?
* Ceci Vieira Juruá, economista, pesquisadora com especialização em Finanças
Públicas
** Marcos Arruda, economista do PACS (Rio de Janeiro) e da equipe global de
animação do Polo de Sócioeconomia Solidária
https://www.alainet.org/pt/articulo/105969?language=es
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