Inspetores vão precisar de muito tempo
19/02/2003
- Opinión
Na mais espetacular mobilização popular pela paz, desde o fim da
segunda guerra mundial, dezenas de milhões de pessoas encheram as
ruas de mais de cem países. Tony Blair levou um susto ante o seu
milhão de manifestantes londrinos que jogaram no lixo a sua
tradicional fleugma britânica e desabaram com a aprovação ao seu
governo. Berlusconi viu pela TV três milhões de alegres italianos
berrarem um "não" redondo ao seu apoio à guerra. Visitado por Koffi
Anam, apareceu diante das câmaras de TV com cara de menino
surpreendido em travessura, gaguejando um discurso envergonhado de
revisão de posições. Bush rasgou as tais emendas constitucionais que
regem a sua orgulhosa democracia. O povo nas ruas foi impedido de se
deslocar por barreiras policiais, alegando-se o risco de novos
atentados previstos pela CIA. Inédita privação de direitos civis no
país.
O impacto dessas manifestações foi tremendo. Pela primeira vez,
surge assim a esperança de que a guerra de rapina do petróleo
iraquiano, com seu milhão de mortes previsíveis, pode ser evitada. O
15 de fevereiro se tornaria um novo marco histórico: o dia em que o
povo nas ruas do mundo mudou o rumo da história em favor da vida.
Agora, vamos ao desarmamento! Para começar: onde estão mesmo as armas
mais terríveis? Sabemos! Formem-se então novos exércitos de
inspetores. Precisarão de muito mais tempo. Os arsenais são
secretos, subterrâneos, espalhados pelo enorme território. O
complexo industrial bélico é poderoso e de difícil acesso. O governo
não estará disposto a cooperar com os inspetores. Conhecemos o mau
gênio e arrogância do seu chefe maior. Está provado que o país tem
milhares de ogivas nucleares e mísseis para levá-las a qualquer parte
do planeta e do sistema solar. Essas armas atômicas são capazes de
destruir inteiramente, em poucas horas, qualquer país inimigo.
Também tem armas químicas e biológicas e capacidade de produzi-las em
qualquer quantidade necessária para liquidar populações inteiras sem
destruir poços de petróleo ou instalações industriais, certamente
ainda úteis, depois da remoção dos mortos.
E o país sabe como fazer essas coisas, tem mesmo uma certa prática.
Jogou a primeira bomba em Hiroxima, matando num instante mais de 100
mil civis japoneses, de um país já derrotado após a rendição dos
nazistas. Para confirmar seu poderio perverso, jogou a segunda bomba
em Nagazaki, dias depois, matando outras dezenas de milhares de
homens e mulheres, velhos e crianças, engolidos pelo terrível
cogumelo de fogo e gases. Um horror imperdoável. O lançamento de
apenas uma dessas bombas em algum atol desabitado no meio do oceano,
convidando os generais japoneses para assistir à demonstração a
prudente distância, bastaria para a rendição imediata, sem mais
mortes estúpidas pela pior das armas de destruição de massa.
Passadas duas gerações ainda produziam efeitos terríveis na
população, pela radioatividade semeada.
No Vietnam, mais armas de destruição massiva. Agora o napalm,
transformando gente em tochas humanas. Ou lança-chamas para queimar
vivos os soldados inimigos, além de produtos químicos para desfolhar
florestas onde eles se ocultavam, com efeitos terríveis sobre a saúde
da população, durante muitos anos, após o fim da guerra perdida. O
general que comandou os vietnamitas na expulsão dos franceses para a
libertação da Indochina, foi o mesmo que derrotou, anos mais tarde, o
mais poderoso exército do mundo, com toda a sua parafernália bélica.
Ainda vivo, nonagenário, foi entrevistado nestes dias. Perguntaram-
lhe como foi possível vencer os fortes com um exército fraco.
"Porque tínhamos a razão", respondeu o general.
No Afganistão, nunca se saberá tudo o que aconteceu, pois a
experiência acumulada em frustrações anteriores garantiu uma bem
sucedida manipulação da mídia, para ocultar a barbárie, numa guerra
de extermínio destinada a liquidar Osama bin Laden, ainda mais vivo
do que nunca. Sabe-se algo da bomba que penetra profundamente no
solo para explodir a terra, qual terremoto artificial, com fantástico
poder de destruição. Fala-se de dezenas de milhares de órfãos, e
imensa quantidade de crianças afegãs surdas para sempre pelas horas
seguidas de tremendas explosões. O massacre só valeu para o que
interessava ao negócio: o país massacrado e agora dominado tem
posição geográfica estratégica para o transporte de petróleo.
Uma nação capaz de produzir e utilizar variados tipos de armas de
destruição em massa, com arsenal suficiente para destruir o planeta,
presidido por um homem obcecado por uma idéia fixa insana, com
tamanho poder de decisão sobre fazer ou não fazer uma guerra, até
mesmo "preventiva", tem que ser submetida ao Conselho de Segurança
das Nações Unidas. Deverá o Conselho emitir uma Resolução dura,
estabelecendo prazo para o seu desarmamento, acompanhado por
inspetores que precisarão de tempo suficiente e vivacidade
comprovada, para não se deixarem iludir por manobras espertas.
Aguardaremos ansiosos os relatórios dos chefes dos inspetores a serem
apresentados ao Conselho de Segurança, em sessão especial transmitida
para bilhões de espectadores estarrecidos, sobre o que encontraram no
Texas, Nevada, Califórnia ou, quem sabe, em Hollywood...
* Membros do MFC e editores da Revista "Fato & Razão" do Movimento
Familiar Cristão/MFC
https://www.alainet.org/pt/articulo/106999?language=en
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