Pecado mortal
17/07/2007
- Opinión
A Arquidiocese de Los Angeles fechou acordo com 508 vítimas de abusos sexuais contra crianças, praticados por padres. Custou 660 milhões de dólares. Somados aos 114 milhões de um acordo anterior, mais outros acordos milionários das arquidioceses de Boston e Portland, o preço da pedofilia para a Igreja Católica dos Estados Unidos ficou no bilhão de dólares. Uma soma fantástica que alivia as contas bancárias das vítimas e seus advogados, mas não cura as conseqüências psicológicas duradouras desses desvios de comportamento.
Será esse um fenômeno grotesco que se concentrou em três Arquidioceses de apenas um país, ou pode-se suspeitar de que a prática criminosa se estende por outras cidades de lá e de outros cantos do planeta? O que sabem e ocultam discretamente bispos e arcebispos mundo afora? No caso em pauta, os padres foram apenas transferidos para outras cidades por seus superiores que agora pedem perdão às famílias, porque sabiam e não cortaram o mal pela raiz.
Todos sabem que a pedofilia é uma prática perversa de muitos homens, inclusive casados, mas quase sempre associada a enfermidades ou desvios psíquicos mórbidos. Há também a exploração comercial dessa anomalia por redes de internautas que muitas vezes são flagrados e presos por esse crime hediondo. Entretanto, causa estranheza a dimensão que tomou essa prática nos espaços do clero católico, provavelmente não limitado à geografia norte-americana. Temos o direito de especular sobre as razões de tal incidência de abusos com crianças do catecismo, que confiam e se deixam envolver por quem se apresenta tão paternal e respeitado por sua condição religiosa. Os pais não podem sequer suspeitar desse envolvimento de seus filhos, pelos mesmos motivos. O padre não apresenta qualquer distúrbio psíquico aparente, é zeloso e dedicado com seus paroquianos, fala muito bem nas suas homilias. O que poderia levá-lo àquelas práticas perversas?
Como simples especulação, arriscamo-nos a associar muitos desses comportamentos no clero às frustrações da condenação ao celibato obrigatório, que supõe uma castração psico-sexual de um impulso legítimo e humanizador, imposta como condição para a ordenação, mas que não pode ser extirpado, contra a natureza sexuada do padre. O impulso permanece vivo, intimamente associado à afetividade, por mais que na sua formação nos seminários a sexualidade tenha sido desqualificada como anti-valor contrário à santidade e vocação sacerdotal.
Essa tentativa de sublimação do impulso sexual é possível em casos excepcionais de vocações raras e heróicas, ou para aqueles que já estão predispostos ao celibato pela condição biopsíquica de sua natureza, presente em número considerável de clérigos. Para a maioria, entretanto, é uma violência imposta desnecessariamente. Nos primórdios do cristianismo e na Igreja dos primeiros séculos, essa imposição não existia, os padres se casavam. Pedro, de quem os papas se apresentam como sucessores, era casado, e Jesus o escolheu.
A disciplina do celibato obrigatório foi adotada, ao que parece, por razões econômicas, pelas dificuldades de um sacerdote manter a sua família, na época remota em que o problema se apresentou. Hoje, essa razão não tem sentido. É possível um padre exercer sua missão, com a ajuda de uma esposa e filhos, exercendo atividades remuneradas dignas e com o apoio da sua comunidade. Nas religiões protestantes os pastores se casam e têm família. Sua sexualidade não é sufocada e os desvios que ora nos preocupam não devem ter tal incidência em suas Igrejas.
Pode-se alegar que a não dedicação integral do padre casado reduz a atividade pastoral da Igreja. De outro lado, sendo facultativo o celibato, aumentaria consideravelmente o número de padres que descartaram essa vocação por outra não excludente e mais intensa de casar-se e constituir uma família.
Não há esperança de mudança na questão do celibato durante o atual governo da Igreja Católica. Mas os fatos e crises que se repetirão certamente levarão a sucessivas flexibilizações dessa disciplina até a adoção do celibato opcional e nunca definitivo, com aumento da credibilidade da Igreja. Ela será menos afetada pelos episódios lamentáveis agora revelados parcialmente em três arquidioceses de um país, que já fecharam e venderam dezenas de templos e prédios de paróquias para pagar a conta bilionária desses acordos judiciais.
Enquanto isso, ignorando o impacto da divulgação destes fatos, a Igreja Católica publica novos documentos para reafirmar sua posse exclusiva da verdade, fechando de vez a possibilidade de avançar no diálogo inter-religioso que surgiu do aggionarmentoprimaveril conquistado no Concílio Vaticano II. Como pá de cal, volta a permissão da missa em latim, no rito de Pio V, para agradar os seguidores de Monsenhor Lefèbvre, excomungado por sua rebeldia agora consagrada, e desagradar uma multidão de católicos inconformados com o retrocesso.
Que pena!
- Helio Amorim é Engenheiro Civil, Editor da Revista "Fato & Razão" do Movimento Familiar Cristão. REDE de CRISTÃOS <bolrede@terra.com.br>
Será esse um fenômeno grotesco que se concentrou em três Arquidioceses de apenas um país, ou pode-se suspeitar de que a prática criminosa se estende por outras cidades de lá e de outros cantos do planeta? O que sabem e ocultam discretamente bispos e arcebispos mundo afora? No caso em pauta, os padres foram apenas transferidos para outras cidades por seus superiores que agora pedem perdão às famílias, porque sabiam e não cortaram o mal pela raiz.
Todos sabem que a pedofilia é uma prática perversa de muitos homens, inclusive casados, mas quase sempre associada a enfermidades ou desvios psíquicos mórbidos. Há também a exploração comercial dessa anomalia por redes de internautas que muitas vezes são flagrados e presos por esse crime hediondo. Entretanto, causa estranheza a dimensão que tomou essa prática nos espaços do clero católico, provavelmente não limitado à geografia norte-americana. Temos o direito de especular sobre as razões de tal incidência de abusos com crianças do catecismo, que confiam e se deixam envolver por quem se apresenta tão paternal e respeitado por sua condição religiosa. Os pais não podem sequer suspeitar desse envolvimento de seus filhos, pelos mesmos motivos. O padre não apresenta qualquer distúrbio psíquico aparente, é zeloso e dedicado com seus paroquianos, fala muito bem nas suas homilias. O que poderia levá-lo àquelas práticas perversas?
Como simples especulação, arriscamo-nos a associar muitos desses comportamentos no clero às frustrações da condenação ao celibato obrigatório, que supõe uma castração psico-sexual de um impulso legítimo e humanizador, imposta como condição para a ordenação, mas que não pode ser extirpado, contra a natureza sexuada do padre. O impulso permanece vivo, intimamente associado à afetividade, por mais que na sua formação nos seminários a sexualidade tenha sido desqualificada como anti-valor contrário à santidade e vocação sacerdotal.
Essa tentativa de sublimação do impulso sexual é possível em casos excepcionais de vocações raras e heróicas, ou para aqueles que já estão predispostos ao celibato pela condição biopsíquica de sua natureza, presente em número considerável de clérigos. Para a maioria, entretanto, é uma violência imposta desnecessariamente. Nos primórdios do cristianismo e na Igreja dos primeiros séculos, essa imposição não existia, os padres se casavam. Pedro, de quem os papas se apresentam como sucessores, era casado, e Jesus o escolheu.
A disciplina do celibato obrigatório foi adotada, ao que parece, por razões econômicas, pelas dificuldades de um sacerdote manter a sua família, na época remota em que o problema se apresentou. Hoje, essa razão não tem sentido. É possível um padre exercer sua missão, com a ajuda de uma esposa e filhos, exercendo atividades remuneradas dignas e com o apoio da sua comunidade. Nas religiões protestantes os pastores se casam e têm família. Sua sexualidade não é sufocada e os desvios que ora nos preocupam não devem ter tal incidência em suas Igrejas.
Pode-se alegar que a não dedicação integral do padre casado reduz a atividade pastoral da Igreja. De outro lado, sendo facultativo o celibato, aumentaria consideravelmente o número de padres que descartaram essa vocação por outra não excludente e mais intensa de casar-se e constituir uma família.
Não há esperança de mudança na questão do celibato durante o atual governo da Igreja Católica. Mas os fatos e crises que se repetirão certamente levarão a sucessivas flexibilizações dessa disciplina até a adoção do celibato opcional e nunca definitivo, com aumento da credibilidade da Igreja. Ela será menos afetada pelos episódios lamentáveis agora revelados parcialmente em três arquidioceses de um país, que já fecharam e venderam dezenas de templos e prédios de paróquias para pagar a conta bilionária desses acordos judiciais.
Enquanto isso, ignorando o impacto da divulgação destes fatos, a Igreja Católica publica novos documentos para reafirmar sua posse exclusiva da verdade, fechando de vez a possibilidade de avançar no diálogo inter-religioso que surgiu do aggionarmentoprimaveril conquistado no Concílio Vaticano II. Como pá de cal, volta a permissão da missa em latim, no rito de Pio V, para agradar os seguidores de Monsenhor Lefèbvre, excomungado por sua rebeldia agora consagrada, e desagradar uma multidão de católicos inconformados com o retrocesso.
Que pena!
- Helio Amorim é Engenheiro Civil, Editor da Revista "Fato & Razão" do Movimento Familiar Cristão. REDE de CRISTÃOS <bolrede@terra.com.br>
https://www.alainet.org/pt/articulo/122281?language=en
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