Porque a imprensa quer a guerra
12/03/2003
- Opinión
Meus sonhos já não servem mais para este mundo. Mais parece que chegamos ontem
à Idade Média. Por isso, quando o mundo se resolve em guerras, repetindo o passado
mais feio da humanidade, em cruzadas santas que ocultam a pretensão nazista de
dominar o mundo, não há sonho que consiga brotar. A semente resvala nessa terra
seca e cai sobre o lombo da tartaruga que sustenta o mundo.
A guerra iminente haverá. É o que diz a imprensa. São éditos, anúncios do
império, que cabe a nós, jornalistas de pouco cérebro e nenhum coração, repetir
nas ondas modernas do rádio, TV, jornais e pontocom. O rei mandou, a gente faz. Já
disse o louco Nietzsche há muito tempo: "quem não pode mandar em si deve
obedecer". Então calem-se os que não tem voz (o povo, por exemplo, que sonha com
rádio e TV comunitária); e que o jornalista reproduza, numa voz grave, bíblica e
melosa, os anúncios do dono (digamos, no sotaque Cid Moreira).
Eles, os donos da comunicação, querem a guerra. Porque não podem querer outra
coisa que o sistema não queira. Carne e osso. No Brasil e nos Estados Unidos e na
Venezuela, e por onde passou o neoliberalismo, cinco ou seis latifúndios dominam
rádio, TV, jornal, televisão, pontocom, revistas e até os carros-de-som que
circulam nas ruas. Nos EUA tem isso (terra de Marlboro, da soja transgênica e da
FCC), sesmarias: Time Warner, Disney, Viacom, Seagram, NewsCorporation e Sony,
dividem entre si o grande bolo da comunicação e da cultura.
Aqui e lá: tudo que é notícia ou cultura tem que passar por eles. Para chegar
a esse poder divino (sim, o dom da ubiqüidade, que Jesus tentou e não conseguiu)
contaram com a ajuda do Poder instalado por eles. Daí, é lógico: sempre carne e
osso com o Governo - seja lá qual for, não importa a cor. Carrapatos do glamour e
do dinheiro público, e das benesses públicas. Não sobrevivem sem a grana oficial,
sem a profana propaganda oficial. Mas tudo é feito de forma tão técnica, tão
falsamente imparcial, que todo em mundo em casa pensa que é imparcial. Pensa até
que é uma imprensa livre...
A nossa imprensa, como a deles, a dos norte-americanos, cria e recria essa
embalagem: o mito: "nós somos livres, defendemos o povo, somos corajosos e
independentes, temos opinião". E não é nada disso. Se olhar por baixo do papel de
embrulho o que se vê é somente o número da conta no banco e a agenda com os
figurões do Governo. Aí se explica porque depois de 8 anos destruindo o Brasil, ao
deixar o Governo FHC ainda é exibido como democrata e estadista.
Por isso, quando chega um dia como esse, com a guerra anunciada, não tenha
dúvida, aqui ou lá, eles vão ficar com o Poder. Mesmo que seja uma coisa insana,
como as pretensões de George Júnior. Mesmo todo mundo sabendo que ele vai invadir
outro país para roubar seu petróleo. É anunciado um roubo, um massacre, o
genocídio de um povo, e eles, os jornalistas ficam calados. Ou repetem-se nesse
falsa imparcialidade técnica. Esse é um Big Brother ao contrário: todo mundo vê,
todo mundo sabe que o cara é da pior espécie, que sua fantasia de Capitão América
não oculta suas intenções de ladrão vulgar, mas ainda assim é tratando como um
cara decente.
Mas aqui, já foi dito, é como lá. A imprensa norte-americana tem dado largas
demonstrações de que é uma imprensa furreca (esta não é uma expressão técnica, mas
é a menos pejorativa para este espaço). Essa imprensa omite os fatos, distorce
outros, censura quando lhe convém. Essa imprensa é tão única quanto pode existir
uma no governo mais totalitário. O importante é defender os interesses as
pretensões do Governo, mesmo que sejam estúpidas como as de um Bush, porque o
Estado se resume a eles.
Noam Chomsky, que a imprensa brasileira não sabe quem é, por ignorância ou
burrice, já disse que num sistema neoliberal, a população não deve brigar com o
Governo, mas com as empresas, porque são elas que mandam no Governo. Então, se o
Estado sempre as defendeu, é hora delas retribuírem o Estado. É o que a imprensa
está fazendo.
O Estado neoliberal é uma versão do totalitarismo. A diferença é que ele é
substituído pelo setor privado. Mas a forma de mando e desmando é a mesma. Hoje as
vendas das 500 maiores transnacionais equivalem a 47% do produto bruto do planeta.
Se Mussolini fosse vivo estaria dirigindo o FMI ou, seria dono de uma empresa como
a de George Soros - o cara ficou multimilionário sem produzir um pé de alface.
Sim, Mussolini seria tratado com os devidos salamaleques por essa nossa imprensa.
Do mesmo modo, se Hitler fosse vivo, tendo sido eleito democraticamente na
Alemanha (sim, pelo voto), receberia um tratamento respeitoso como chefe de
estado. Agora, convenhamos, as pretensões de Hitler são fichinha diante das
pretensões de G. Bush Junior. Hitler só queria dominar o mundo e impor um projeto
estético, de eugenia. Bush, além disso, é um terrorista de carteirinha e com lei
autorizando-o à prática. O perigo não é Bin Laden, é Bush. Hoje é o Iraque, amanhã
pode ser a Coréia do Norte. Ou Cuba. Ou a Venezuela.
No mês passado fizeram uma enquete nos estados Unidos para saber quem teria
sido o culpado pelo ataque de 11 de setembro. Metade dos entrevistados disseram
que tinha sido Sadam Husseim. Ou seja, com o apoio da imprensa, Bush transferiu
sua guerra de Osama Bin laden para Sadam Husseim, engabelou o povo. Ele sabe que
manda: sempre haverão jornalistas dispostos a repercutir seus interesses bélicos e
hegemônicos E num tom de imparcialidade, suficiente para enganar o povo.
Com um jornalismo assim ninguém precisa de jornalismo.
Minha esperança é de que as escolas de comunicação repensem o jornalismo.
Enquanto isso o Governo Lula vai ter que começar a reforma agrária do ar. Esse
latifúndio da comunicação está diariamente destruindo os sonhos e a imaginação
desse povo. E sem sonhos não dá para imaginar-se povo, Nação, destino,...
Um outro mundo é possível, mas sem esse jornalismo.
* Dioclécio Luz é jornalista, escritor, estudioso de comunicação comunitária,
e membro da Comissão de Acompanhamento da Mídia da Câmara dos deputados.
https://www.alainet.org/pt/articulo/107104?language=en
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