Esse mundo vasto e alheio

19/04/2003
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Nunca a humanidade teve tantos meios para transformar o mundo conforme suas decisões e nunca o mundo pareceu escapar tanto ao seu controle. O mundo foi feito pelos homens, não conforme sua vontade, a partir das condições que encontra, é certo, mas no final de contas foram as relações humanas que produziram o mundo tal qual ele é. E no entanto se mata, se invade, se destrói em nome da humanidade, da soberania, da liberdade, da democracia, da civilização – em última instância, em nosso nome. Não importa que a opinião pública mundial esteja manifestamente contra. Tropas imperiais invadem um país para – como dizia Kissinger do Chile – salvar os iraquianos das suas próprias loucuras e é claro que não são recebidos como libertadores, até porque liberdade e democracia não se entrega e se exporta. Democratizar-se, libertar-se – ou são conjugados na primeira pessoa do singular e do plural, ou são o seu oposto. O mundo parece, mais do nunca, vasto e alheio – nas palavras do escritor peruano Ciro Alegria. Mas se o mundo foi feito pelo homem, como decifra-lo? O grande desafio do pensamento humano é decifrar essa contradição para que o pensamento e a prática humanas orientem essa reconciliação do homem com o seu mundo, com o mundo que criou e no qual não se reconhece. Por isso os conceitos de exploração, de dominação e de alienação seguem sendo centrais para compreender o nosso mundo. "Eles fazem, mas não sabem" – escrevia Marx no prefácio ao "Capital", para referir-se a esse gigantesco processo reiterado cotidianamente dos homens produzindo os bens sem consciência de faze-lo, sem definir como, nem quanto, nem para quem o fazem e sendo expropriados do valor que produzem a favor do capital. Esse mesmo processo, de outra forma, se reproduz cotidianamente, quando tecemos as relações de um mundo que nos escapa, que parece ter vida própria, viver por si mesmo, - na TV, nos jornais, nas declarações dos governam em nosso nome. A dominação – que tantas vezes assume a forma direta da discriminação – em sistemas políticos que incitam à passividade, que mais nos despojam da nossa vontade do que nos representam e a fortalecem – é outro dos eixos fundamentais para compreender este mundo em que vivemos e que nos aflige tanto. Minorias que governam em nome da maioria, brancos que governam em países de maioria indígena, verdadeiros dominadores legitimados pela mídia e por mecanismos esvaziados de perpetuação políticas das elites. Alienar é entregar ao outro o que é nosso, em termos jurídicos, e tem a ver diretamente com a forma como esse conjunto de processos se refletem na nossa situação, num mundo a que olhamos como se o víssemos pela janela, quando na realidade é o nosso espelho – por mais deformada que seja sua imagem. Nossa alienação no mundo de hoje está, antes de tudo, na nossa incapacidade de compreender o mundo em que habitamos. Redescobrir as origens dessa alienação é conseguir compreender as raízes da nossa impotência diante da guerra, da nossa perplexidade diante da violência cotidiana que se alastra de forma aparentemente irreversível, do desespero de tanta gente que busca resolver sua situação de forma desesperada, pela violência individual – enfim, do mundo vasto e alheio tal qual o vivemos hoje. Apropriar-nos do nosso destino é o humanismo de hoje. O saber produzido nas nossas escolas, nas nossas universidades, de nada vale se não ajuda o povo a tomar consciência de si mesmo, a saber quem é, o que faz, para quem faz, por que faz, para lhe ajudar a tomar consciência de si mesmo e construir- se como sujeito de sua vida. A mídia, tem sentido, se ajuda as grandes maiorias desvalidas a entender-se como seres humanos, a fortalecer sua vontade de fazer de suas vidas movimentos transparentes de sentido, de solidariedade, que tornem as pessoas mais humanas. Aprender da guerra, da vitória da truculência, da mentira, da intolerância, para aumentar nossa capacidade de nos indignar-nos com tudo isso, com tudo o que nos acostuma ao absurdo de um mundo que se funda na violência, na rapina, na expropriação – material e espiritual – de grande parte da humanidade. Que o mundo vasto e alheio se torne transparente, cheio de significados, assumidos conscientemente. Que o mundo seja remodelado pelos homens, consciente e democraticamente, para que nunca mais vivamos em um mundo alheio aos valores humanistas como este em que vivemos. Um mundo sem exploração, sem dominação e sem alienação.
https://www.alainet.org/pt/articulo/107352
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