Soberania alimentar
17/07/2003
- Opinión
25 de julho é dia do motorista, e dia do lavrador. A mesma festa, destacando duas profissões, mas envolvendo toda a sociedade.
Pela incidência cotidiana, as estradas acabam preocupando a todos, com os freqüentes acidentes, com os buracos que aumentam, com a precariedade de sua manutenção. Invocar S. Cristóvão é apelar para a proteção de Deus e arregimentar forças para enfrentar nossas rodovias com coragem e responsabilidade. Ser motorista se tornou símbolo dos riscos que hoje espreitam a todos. Viver se tornou perigoso.
Identificação ainda mais profunda é simbolizada pela festa do lavrador, do agricultor, do colono. Não importa o nome, a causa está ficando dramática e urgente. Trata-se da importância vital que a agricultura representa para a sobrevivência da humanidade, para a causa da própria civilização.
Dois movimentos, coincidentes e convergentes, cumprem hoje a missão profética de apresentar esta causa com a contundência que ela carrega: o MST, e a Via Campesina.
O MST se cobre de méritos ao valorizar a consciência dos lavradores, articular sua organização, motivar sua ação pacífica e sua estratégia política para urgir as providências indispensáveis em vista de garantir que a terra seja colocada ao alcance de quem nela quer trabalhar para produzir os alimentos indispensáveis para o consumo da população.
A Via Campesina abraça com lucidez as grandes questões que afetam hoje a agricultura em nível mundial. Há sérios problemas ligados a toda a trajetória das atividades agrícolas, desde os agrotóxicos que ameaçam a salubridade dos alimentos, passando pelo risco da manipulação e monopólio das sementes, pelos problemas da comercialização que distorce os preços e desvirtua as finalidades das colheitas, até os subsídios agrícolas, que desequilibram as condições econômicas e chegam a inviabilizar a agricultura de alguns países.
Consciente da gravidade da situação, a Via Campesina percebeu a validade, e a urgência, de estimular parcerias, e de ampliar o debate, para que estas questões sejam assumidas pelo conjunto da sociedade com a atenção que merecem. Daí a importância de identificar algumas causas que merecem nossa adesão imediata, e servem de parâmetro para situar outros problemas.
Para dar-nos conta da pertinência deste debate, vale a pena ressaltar o testemunho da história. As grandes civilizações tiveram início quando os povos perceberam que era possível cultivar a terra, para dela extrair o alimento indispensável, que antes era procurado aleatoriamente pela caça e depredação da natureza. A agricultura foi berço das civilizações. Ela continua sendo o seu sustentáculo.
A sobrevivência de um povo depende da solução que ele encontra para a sua agricultura. Daí o acerto da tese da “soberania alimentar”, que a Via Campesina propugna com lucidez e convicção. Cada país tem o direito de promover, soberanamente, a produção dos alimentos que sua terra pode proporcionar, e garantir o atendimento das necessidades alimentares de sua população.
Se um país perde sua soberania alimentar, abdica da primeira condição de sua soberania política e de sua identidade nacional, abrindo a porta para a dominação estrangeira, disfarçada de “integração comercial”. Quando os “maias”, na Guatemala, já não conseguem produzir o seu tradicional “maís”, começam a se sentir mais ameaçados do que quando viram suas fronteiras invadidas e seus tesouros roubados.
Outra causa fundamental da Via Campesina é o reconhecimento das sementes como patrimônio da humanidade. A lei precisa estar a serviço da vida. Não existe causa mais vital do que as sementes, portadoras das raízes da vida.
Estas duas causas servem de parâmetro para situar adequadamente outras questões. Se a aprovação dos transgênicos significa a entrega do monopólio das sementes à Monsanto, fora com eles! Se a Alca significa a desestabilização de nossa agricultura, fora com ela! Com a convicção dos exorcistas que ordenavam aos demônios: “vade retro, Satanás!”, erguendo o escudo do MST e da Via Campesina, também dizemos: sai da frente, Monsanto; vá pra lá, Alca dos diabos!
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