FSM 2004: "O mundo não está à venda"
17/01/2004
- Opinión
Críticas à Organização Mundial do Comércio (OMC) e a grandes
corporações internacionais foram a tônica do painel "Terra, água e
soberania alimentar", no Hall 1 do Nesco, onde acontecem as
atividades do Fórum Social Mundial. Representantes de organizações e
movimentos sociais manifestaram séria preocupação com os recursos
naturais do planeta – profundamente afetados, segundo afirmam, pelo
descompromisso de políticas públicas e pelo mau aproveitamento. A
rodada de pronunciamentos se encerrou com um inflamado discurso de
Medha Patkar, do Movimento dos Atingidos pela Represa de Narmada.
Uma das principais líderes da sociedade civil indiana, ela chegou às
lágrimas, sob muitos aplausos, ao defender "um mundo igual e justo
para todos no acesso aos recursos naturais".
O painel foi aberto com a apresentação musical de um grupo formado
por integrantes da Via Campesina da Indonésia, que levaram ao palco
uma faixa em que se podia ler: "Globalizemos a luta, globalizemos a
esperança". Rafael Alegria, do Conselho Coordenador das Organizações
Campesinas de Honduras, foi o primeiro a falar. Para ele, está
ocorrendo uma "guerra no campo" em todo o mundo. Lembrando que
milhões de pessoas estão passando fome, afirmou que não pode haver
combate à pobreza sem acesso à terra. O ativista hondurenho também
mostrou indignação com o que chamou de apropriação da água por
grandes empresas internacionais. "Vamos, ao longo deste ano,
empreender uma jornada contra a Nestlè, a Coca-Cola e todas as
corporações que estão se apropriando da água". A OMC é outro alvo
potencial: "Estamos em plena luta contra esse organismo nefasto que
controla o comércio mundial, por isso precisamos continuar
mobilizando as organizações de todo o mundo, daí a importância deste
Fórum Social Mundial".
Maude Barlow, ambientalista canadense que fundou o Planeta Azul
(movimento internacional pela proteção da água) e fundou o Conselho
Canadense (organização que atua no campo da segurança ambiental),
afirmou que as corporações internacionais criaram uma situação
insustentável na alimentação e agora pretendem fazer a mesma coisa
em relação à água. Ela identifica três prioridades: garantir que
cada cidadão tenha acesso aos recursos hídricos, fazer com que a
Coca-Cola se retire da Índia – onde há fortes protestos contra a
empresa por uso irracional da água e danos ao meio ambiente – e
derrotar os interesses das grandes corporações internacionais. "É
uma das mais importantes lutas de nossas vidas. Nossa água não está
à venda, a Índia não está à venda, o mundo não está à venda",
concluiu.
Um dos principais críticos dos métodos empregados pelas indústrias
de mineração, o jornalista e pesquisador britânico Roger Moody
destacou a poluição de águas fluviais e lembrou que o mercado está
dominado por três companhias sediadas na Inglaterra e na Austrália.
"Existe uma máquina de crescimento econômico sustentada pela
dependência dos países em desenvolvimento", afirmou, antes de pedir
a solidariedade de toda a sociedade civil presente ao Fórum para o
problema das comunidades afetadas pela mineração.
Itelvina Massioli, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), apresentou a posição da organização: a distribuição
de terras, por si só, não é suficiente para garantir maior qualidade
de vida para os campesinos. "Queremos uma reforma agrária que
democratize o acesso à terra, mas também democratize a
comercialização dos recursos agrícolas". Para Itelvina, é preciso
construir um novo modelo de produção agrícola e uma nova forma de
organização social da população que vive no meio rural. "Este
desafio está presente no Brasil, na América Latina e em todo o
mundo, pois o capitalismo está ampliando suas formas de domínio da
produção, o que coloca em jogo a sobrevivência dos pequenos
agricultores e das organizações campesinas". Itelvina acredita que
apenas a soberania alimentar - o princípio de que cada povo, em seu
espaço específico, seja capaz de produzir os alimentos que consome –
levará à independência necessária e à soberania sobre seu próprio
destino. "É o que defendiam José Marti, Gandhi e Che Guevara",
disse. "Um país não pode estar subordinado a acordos internacionais
que só favorecem as grandes corporações".
Um dos oradores mais aguardados, o ativista francês José Bové
dirigiu-se ao microfone com o pescoço envolto por um lenço da Via
Campesina. Foi duro ao criticar as políticas agrícolas que
privilegiam os interesses das grandes corporações e lembrou a
situação vivida pelos agricultores: "Apenas 30 milhões de produtores
agrícolas em todo o mundo têm tratores e mais de um bilhão têm de
trabalhar com as próprias mãos". O objetivo da Via Campesina,
garantiu, é fazer com que a OMC se retire da agricultura. "Desde que
a China entrou para a OMC, mais de 100 milhões de fazendeiros
tiveram de parar de produzir. Na Índia acontece a mesma coisa. Para
onde eles vão? O que vão fazer? É uma política sem sentido,
criminosa". Bové lembrou as duas vitórias recentes dos movimentos
sociais contra a Organização Mundial do Comércio, nas reuniões de
Seattle e Cancún, e convocou a todos para o que chamou de "uma nova
batalha" em Hong Kong, em outubro, quando os membros da entidade
voltam a se reunir. "Estaremos lá e os derrotaremos novamente",
prometeu.
Atraso
As atividades tiveram início com pouco mais de uma hora de atraso,
por conta de uma certa confusão envolvendo o trabalho de tradução. O
sistema montado pelos organizadores não oferece fones de ouvido, que
devem ser trazidos pelos próprios delegados ou adquiridos à parte,
em um estande localizado do lado de fora dos halls. As informações
eram imprecisas e muitos tiveram dificuldade para achar o local e
conseguir comprar os fones em meio à desorganizada fila que se
formou. Afinal, após todo o alvoroço, os oradores puderam subir ao
palco. A alegria, porém, durou pouco. Um problema elétrico impediu o
trabalho de tradução e o jeito foi improvisar: a cada
pronunciamento, uma pessoa era convocada para verter o discurso para
inglês ou hindi.
* Fausto Rêgo, Rits
http://fsm2004.rits.org.br/conteudo.asp?conteudo_id=51
https://www.alainet.org/pt/articulo/109155
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