Vencer o mal com o bem: caminho para a paz

11/01/2005
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Tanta tragédia, tanto sofrimento, de um lado e outro do mundo. Vidas ceifadas, orfandade, desespero. Tsunamis na Ásia, explosões em boates e casas noturnas na Argentina, a usual mas nunca menos ameaçadora violência urbana, a guerra no Iraque que continua. Tantos fatores intranqüilizadores no encerramento do ano que passou. E, no entanto, a mensagem do Papa volta a bater na tecla evangélica que propõe um ideal tão alto que parece impossível de cumprir: Vencer o mal com o bem. No dia mundial da Paz, é esta a mensagem que a Igreja tem a dar "urbi et orbi". Não só aos fiéis católicos, mas a toda a humanidade, é proposto o caminho da não violência, da mansidão e da reconciliação como única via para que a verdadeira paz aconteça. Ao fundo, as palavras do apóstolo São Paulo: "Não te deixes vencer pelo mal. Vence antes o mal com o bem". A antitética proposta do grande místico e apóstolo que foi Paulo de Tarso, anunciando o evangelho de Jesus, ressoou nos albores do Cristianismo e ressoa novamente agora no despertar do ano novo: para quebrar o círculo vicioso e pernicioso do mal e da violência não são úteis ou eficazes refinadas estratégias ou armas mais potentes que as do outro. Só uma coisa vence o mal: a prática do bem. Só há uma atitude capaz de quebrar a espiral diabólica da violência e do mal: o amor e o bem praticados em favor de todos. E todos os que ouvem esta palavra e a põem em prática são chamados a fazê-lo com radicalidade. A prática do bem capaz de fazer brotar a paz como fruto maduro é, na verdade, uma atitude ética que inclui até mesmo o inimigo. Em palavras do mesmo Paulo: ³Se o teu inimigo tem fome, dá-lhe de comer; se tem sede, dá-lhe de beber² (Rm 12,20). Dizendo isto, Paulo segue à risca o ensinamento do Sermão da Montanha, Carta Magna do Reino de Deus, promulgada e proclamada por Jesus, propondo, além de uma atitude passiva e não vingativa ou agressiva, uma conduta ativa: mais além de tudo suportar sem imitar ou revidar violentamente as ofensas recebidas, é preciso ainda amar ativa e dinamicamente todo ser humano, inclusive aquele do qual o mal provém e por quem é praticado. O princípio é passar além do amor ao próximo que, segundo a Lei mosaica, conserva um sentido restritivo (como a si mesmo) e a menção do inimigo faz a frase ainda mais forte e contundente: "Amai os vossos inimigos". Porém, de que tipo de amor se trata? Certamente não tem nada de uma ternura espontânea, feita de afinidade, a qual seria aliás impossível. Pois a proposta do caminho para a paz significa mais do que uma arte de viver neste mundo; trata-se de uma obrigação positiva, um ministério do amor universal. Neste sentido, vai muito além do próprio dever do perdão: apesar de incluí-lo, a exigência de amar os inimigos e vencer o mal com o bem vai mais longe, rejeitando o que ainda possa subsistir de condescendência mesmo no perdão. Trata-se simplesmente de amar, sem jogadas estratégicas de manutenção da paz nas fronteiras do mundo ou da Igreja, nem de propaganda para conversão. Para conseguir o bem da paz é necessário afirmar, com consciente lucidez, que a violência é um mal inaceitável e que nunca resolve os problemas e as angústias humanas. A violência é uma mentira, porque se opõe à verdade da nossa fé, à verdade da nossa humanidade. Na verdade, a violência destrói o que ambiciona defender: a dignidade, a vida e a liberdade dos seres humanos. Portanto, nunca é um caminho válido nem justo, pois semeia destruição e morte por onde passa. Com sua sabedoria que ultrapassava a todas, Jesus de Nazaré pronunciou as luminosas palavras que há vinte séculos inspiram gerações de homens e mulheres que vão construindo a paz por onde passam. Na sua esteira, Paulo de Tarso escreveu aos cristãos de Roma, que se debatiam com o sofrimento da perseguição e da violência: "Vencei o mal com o bem". E depois de Paulo, muitos outros houve e há, cristãos ou não, que marcaram a história da humanidade praticando esse princípio de diferentes maneiras, invocando ou não para isto o nome de Jesus Cristo. Referimo-nos ao Mahatma Gandhi, a Martin Luther King, Nelson Mandela, Edith Stein e tantos outros e outras. A maneira de viverem, amar, sofrer, morrer, agir, nos prova que vencer o mal com o bem é o verdadeiro caminho para a paz. E mais: prova que, se é um caminho difícil, não é impossível nem desumano. O convite do Papa, neste início de ano, tem endereço certo: nós mesmos, todos e cada um de nós, convidados a vencer o mal que tanto penaliza a humanidade com o bem, único valor que pode trazer-lhe a paz tão desejada. * Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC- Rio.
https://www.alainet.org/pt/articulo/111184?language=es
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