Movimentos sociais e luta antineoliberal
06/06/2005
- Opinión
Força e debilidade dos movimentos sociais
Os movimentos sociais têm sido os principais protagonistas
na luta de resistência contra o neoliberalismo em toda a
América Latina. Isso tem acontecido também no Brasil.
Duas são as principais razões: em primeiro lugar, a
descaracterização ideológica e política de grande parte dos
partidos tradicionais da esquerda, que foram se envolvendo
cada vez mais na luta institucional e perdendo contato com
as lutas sociais, ao mesmo tempo que foram induzindo temas
da chamada “governabilidade”. Por outro lado, o
neoliberalismo termina sendo, essencialmente, uma máquina
de expropriar direitos. Dessa maneira, os movimentos
sociais se tornaram os principais bastiões da luta de
resistência, por representar diretamente os setores sociais
mais atingidos por essas políticas.
No Brasil, dos dois principais ramos do movimento social –
o sindical e o rural -, tem sido este o fator de maior
resistência. O movimento sindical foi mais diretamente
atingido pelas políticas econômicas que geraram desemprego
e precarização das relações de trabalho, ao mesmo tempo que
a divisão interna com correntes de direita ajudou a
enfraquecer a capacidade de ação dos sindicatos. Enquanto
isso, o movimento dos trabalhadores rurais, tendo no MST
seu eixo fundamental, tem sido o responsável pelas
mobilizações populares contra as políticas neoliberais,
valendo-se da particularidade da luta pela terra – que
permite as ocupações e a posta em funcionamento dos
assentimentos -, assim como pela força ideológica que o
movimento foi assumindo ao longo do tempo.
Essa força dos movimentos sociais apresenta elementos de
força e de debilidade para a luta contra o neoliberalismo.
A força vem da representatividade e da capacidade de
mobilização de organizações diretamente vinculadas aos
trabalhadores. A debilidade, do fato de que, sendo
movimentos sociais, não podem se constituir em alternativas
políticas de governo e de poder.
O modelo hegemônico neoliberal
O neoliberalismo não é apenas uma política econômica, mas
um projeto hegemônico, que contêm valores essenciais do
capitalismo liberal – o consumismo, o egoísmo, o
individualismo, o mercantilismo – e que reorganiza não
apenas as relações sociais, mas também as relações de
poder. O neoliberalismo é a cara assumida pelo capitalismo
na sua fase de hegemonia econômica do capital financeiro.
Ele se articula internacionalmente com a hegemonia
estadunidense, tendo os organismos financeiros e comerciais
internacionais como seus braços de poder – o FMI, o Banco
Mundial, a OMC, entre eles. Conta com a ideologia do “livre
comércio” no plano econômico e com a “luta contra o
terrorismo” nos planos político e militar. Se constitui
assim em um sistema de poder, que vai da economia à
política, passando pela ideologia e pelos planos
tecnológico e militar.
O instrumento essencial de implementação do neoliberalismo
é a desregulamentação, isto é, a eliminação das travas à
livre circulação do capital. Assim, a privatização
significa desregulamentação, porque tira do Estado a
propriedade de empresas, para jogá-la no mercado, para quem
tiver mais recursos se apropriar delas. A abertura para o
mercado internacional também representa desregulamentação,
porque elimina as travas para a entrada e saída de capitais
e de mercadorias, acelerando o “livre comércio”. As
políticas chamadas de “flezibilização laboral” significam,
na verdade, políticas de promoção da precarização das
relações de trabalho, tirando direitos essenciais aos
trabalhadores e submetendo-os à sanha voraz do capital.
A alternativa posneoliberal
A luta contra o neoliberalismo tem assim que ser uma luta
global, tanto no sentido de ter que abranger todas as
esferas em que ele se articular, como no sentido de ser uma
luta internacional, uma luta global. A luta contra o
neoliberalismo é uma luta pela ruptura do modelo econômico
neoliberal, eixo do modelo neoliberal, tornando os
ministérios econômicos a chave do poder e do tesouro dos
governos que se submetem à lógica neoliberal. Essa ruptura
tem que enfrentar as armadilhas colocadas pelas políticas
neoliberais nos planos nacional e internacional – das quais
a mais clara é a fuga de capitais, a partir do momento em
que esses capitais sentem seus interesses contrariados -,
elaborar uma estratégia de saída do modelo e ir,
paralelamente, colocando em prática uma outra política.
Esta alternativa tem necessariamente que dispor de
políticas de regulação econômica, que travem a livre
circulação do capital especulativo, valendo-se de
modalidades com as propostas pela Taxa Tobin, que prevê um
imposto sobre toda movimentação de capital financeiro. Esta
política requer, para ser mais forte, de uma integração
regional, que leve a cabo conjuntamente essas medidas. O
governo da Venezuela tomou medidas similares a essa,
incluindo a centralização do cambio, para combater as fugas
de capitais e os movimentos especulativos do capital, com
grande sucesso, demonstrando sua possibilidade e sua
efetividade.
O combate a essas políticas a criação de uma força social,
política e ideológica que lhe dê sustentação e se oponha ao
bloco constituído por ela. É necessário unir ao conjunto
dos trabalhadores da cidade e do campo, como forças
motrizes dessa luta e buscar os aliados para que o bloco
possa ter capacidade hegemônica e ao mesmo tempo subtrair
bases populares de apoio ao bloco neoliberal, assim como
neutralizar outras forças. Precisa obter o apoio de amplos
setores das camadas médias, dilaceradas diante da imensa
crise social que afeta a toda a sociedade, assim como
procurar alianças táticas com setores do capital produtivo
– antes de tudo pequenas e médias empresas, mas também as
outras empresas interessadas na distribuição de renda
porque comprometidas com o consumo interno de massas.
Essa aliança não será possível, assim como a ruptura do
modelo neoliberal, sem romper o monopólio privado que
fabrica a opinião pública de maneira quase que totalitária.
O liberalismo avançou enormemente no Brasil ao longo da
década passada, desde o governo Collor, passando pelos dois
mandatos de FHC e pela econômica mantida pelo governo
atual. A grande mídia privada é seu instrumento essencial
de divulgação, deixando o movimento popular e a esquerda
com poucos espaços de difusão de suas opiniões, suas idéias
e suas propostas. Sem mudanças radicais na opinião pública,
nos consenso hegemônicos estabelecidos, dificilmente será
possível constituir esse bloco de forças antineoliberal,
que se ancora em grande parte na ideologia liberal
predominante atualmente nas nossas sociedades.
O papel da direção política
Por esse conjunto de tarefas indispensáveis para a
superação do neoliberalismo, os movimentos sociais não
conseguem sozinhos dar conta desse imenso projeto de
construção de um projeto alternativo. Eles têm o papel
essencial de mobilização social, de divulgação das criticas
às políticas neoliberais, de plataformas alternativas, mas
não se pode pedir a esses movimentos que desempenhem o
papel de direção política, de construção teórica das bases
das alternativas, de luta ideológica, de construção das
alianças sociais, de construção da força política de um
projeto hegemônico alternativo. Esta é uma tarefa para uma
direção política, seja ela de caráter partidário ou alguma
forma similar que possa atuar no campo político, ao mesmo
tempo que articular o conjunto da força acumulada nos
planos econômico, social e ideológico.
Experiências como aquelas dos movimentos indígena e
camponês equatoriano que, com sua extraordinária capacidade
de mobilização e de luta, conseguiram derrubar os três
últimos presidentes daquele país, demonstram como à falta
de uma alternativa política própria, terminam delegando o
exercício do governo a personalidades de outras forças
políticas, que acabam seguindo uma lógica diferente e até
mesmo contraditória com as desses movimentos. No caso do
último desses presidentes, Lúcio Gutierrez, tinha sido
eleito com o apoio essencial dos movimentos sociais, porém
ele rapidamente se entendeu com o governo dos EUA e com o
FMI, opondo-se diretamente às orientações que tinha pregado
durante a campanha eleitoral. Os movimentos chegaram a se
dividir, com alguns de seus membros permanecendo no governo
até sua derrubada.
Essas lições demonstram como o social não pode substituir a
ação política, mesmo se esta tem que estar estreitamente
articulada com as lutas e os movimentos sociais. Se
queremos de fato substituir o projeto neoliberal por uma
projeto democrático e popular e não apenas limitar aquele,
temos que nos enfrentar a problemas como a democratização
do Estado, a implementação de políticas de orçamento
participativo, a construção de uma força parlamentar que dê
apoio a um governo posneoliberal. Não podemos ficar – como
querem as ONGs – no que eles chamam de “sociedade civil”,
um conceito liberal, que abandona a possibilidade de luta
pelo poder, de democratização radical do Estado, de
construção de força política e ideológica fundada nas
classes trabalhadoras.
https://www.alainet.org/pt/articulo/112138
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