O Caminho Mais Curto Para o Desastre
12/06/2005
- Opinión
O que a gente menos sabe e discute é o caráter extremamente autoritário da globalização econômico-financeira que nos domina. Apesar do discurso neoliberal do livre mercado, tudo se faz de forma planejada e secreta, a serviço de um punhado de grandes corporações capitalistas, com negócios maiores do que o PIB de mais de uma centena de países. Estamos diante de um poder global sem regulação, um pacto mafioso total, que tudo apropria, controla, concentra, tendo como único critério o ganho a todo custo. As suas operações podem ser espetaculares nos pregões da bolsa e nas fusões de bilhões de dólares ou camufladas e criminosas na falsificação de balanços e em operações de lavagem sistemática de dinheiro em paraísos fiscais. Aliás, caro leitor e leitora, você já notou que todos, absolutamente todos, os paraísos fiscais são estranhos pontos geográficos com exceção da aparente ascética Suíça próximos aos sete centros financeiros do Norte desenvolvido, que movimentam sozinhos 80% da especulação financeira mundial de mais de 2 trilhões diários?
O cinismo tomou conta do mundo, especialmente com a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, ao ponto de se criar um imaginário dominante que diz “não existem alternativas”. Mas não podia ser diferente com menos de 10 grupos empresariais controlando a mídia no mundo, ou seja, nosso direito à informação e comunicação. Claro, já há muito tempo, os experimentos do socialismo real demonstravam o seu fracasso e muita gente pelo mundo vinha buscando outras saídas. Ainda busca, felizmente, e com mais afinco, como demonstra o processo iniciado pelo FSM, as grandes mobilizações contra a OMC, BM e FMI, o movimento pela paz, as surpresas que a cidadania prega com o seu voto, como no que se passou agora na França e Holanda com a vitória do não no referendum do Tratado da Constituição Européia. Mas, devemos reconhecer, estamos longe de ter chegado ao fundo do poço. É ainda possível evitar o desastre?
Nunca a humanidade enfrentou uma situação assim. As lembranças sobre o primeiro surto liberal, que nos levou ao fascismo como opção e a duas guerras mundiais de verdadeira carnificina na primeira metade do século XX, não podem ser esquecidas. Elas, porém, não nos dão o tamanho do desastre que pode nos atingir agora, nesta proclamada era do neoliberalismo. Temos uma economia global com enorme capacidade de produção para lucro contra a maioria da humanidade. Nunca se produziu tanto, mas nunca se morreu tanto em meio a uma abundância de bens e riquezas que não são para atender necessidades e direitos humanos, são para ganhar, ganhar, competindo e destruindo. Concentra-se riqueza de forma espetacular, exclui-se gente e destroem-se os bens comuns, especialmente a natureza e a lógica da própria vida. Como os problemas e crises se avolumam, voltamos ao pior do unilateralismo, de lógica do terror e da guerra, com militarização para que a mais completa mercantilização e controle da vida pelo poder se imponha, tendo a administração Bush nos EUA e sua guerra preventiva a expressão de força de uma hegemonia que não consegue mais dar conta do mundo.
Temos, sem dúvida, uma energia nova no ar que, ao menos por enquanto, prefiro chamar de nascente cidadania planetária. Fundada na afirmação da diversidade social, cultural, política e geográfica, reivindica os princípios éticos universalizantes, referência para uma constituição mundial que tenha todos os direitos humanos para todos os seres humanos do Planeta como escopo. Alimentada por uma radical consciência de humanidade na diversidade e consciência dos bens comuns a preservar, renovar e fortalecer, como condição de vida e justiça social, a cidadania planetária, como uma onda, move o coração de uma nova sociedade civil militante mundo afora. Desigual, confusa, de ação direta mais do que institucional, a nova cidadania avança e pressiona. Mas, por enquanto, só está crescendo o buraco entre reivindicações da cidadania e as instituições de governança mundial, seja a fragilizada ONU, seja a arrogante e poderosa OMC ou os seus escudeiros velhos de mais de 60 anos, o BM e o FMI, seja os experimentos a caminho do fracasso como a EU.
Os donos do mundo, as grandes corporações e os Estados ainda vivemos num bizarro mundo de Poder Global e Estados Nacionais, que em nome da soberania se impõem a seus próprios povos estão ignorando o clamor que emerge das ruas das cidades do mundo. Aliás, o grito surto de povos ignorados nos fundões, montanhas e praias do mundo, expresso pelos nascentes movimentos da cidadania planetária é como se não existissem. Basta ver as agendas do poder global daqui até o fim do ano: G-8, Cúpula da ONU, OMC. Espanta a pequenez das propostas diante da crise anunciada numa globalização perversa. Nenhum destes grandes encontros do poder global quer fazer face à globalização enquanto tal, que mina qualquer possibilidade de um novo pacto de humanidade e vida. Discutem-se reformas como se as instituições pudessem ser reformadas por elas mesmas, de dentro para fora. Falta aceitar o que se anuncia inevitável: uma refundação democrática capaz de permitir a humanidade de se encontrar consigo mesma, onde todas e todos tenhamos lugar. O jeito é continuar gritando na rua, nossa força mais poderosa. Até quando? Espero que antes do desastre que aparece no ar.
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