Ponte da Amizade III

29/04/2006
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“Estados Unidos criticam ausência de combate ao terror na fronteira” – esta é a manchete do jornal A Gazeta do Iguaçu, de 29 e 30 de abril de 2006. Embora o tema passe quase desapercebido nos veículos da grande imprensa, a paranóia do terrorismo continua ameaçando o direito de ir e vir dos migrantes, especialmente nos chamados “complexos fronteiriços”. O termo paranóia refere-se à constante insistência das autoridades norte-americanas sobre o controle das fronteiras, como se, sob cada emigrante ou imigrante, se escondesse um terrorista em potencial. A política migratória dos Estados Unidos, cada vez mais restritiva e militarizada, não se limita a erguer muros e elaborar leis anti-imigração. Promovem e divulgam, além disso, uma cultura xenófoba e preconceituosa que espalha o medo e a desconfiança por todo o planeta, ao mesmo tempo que procuram, por todos os meios, influenciar negativamente as políticas migratórias dos demais países. Do ponto de vista estadunidense, não basta isolar “a terra da liberdade e da democracia” das ondas migratórias que entram pelo México. É necessário conter essa avalanche humana na fronteira desse país com a Guatemala. Mas agora nem isso basta! É necessário, ainda, controlar o fluxo e refluxo de pessoas nos pontos nevrálgicos dos deslocamentos humanos de massa, onde diariamente se cruzam e recruzam as rotas da migração. Isso explica o olhar fixo e doentio da águia sobre a fronteira de Brasil, Argentina e Paraguay. Dado o oxigênio de medo e insegurança que se respira hoje devido ao terrorismo e ao narcotráfico, não é difícil justificar qualquer alerta ou qualquer ação de caráter policial ou até mesmo militar. Ainda conforme a matéria publicada pela Gazeta do Iguaçu, “os Estados Unidos voltaram a afirmar ontem que a região da tríplice fronteira é responsável pelo financiamento de grupos extremistas. De acordo com um relatório assinado pelo Departamento de Estado, o governo brasileiro ‘não ofereceu o apoio político e material necessário para fortalecer as instituições antiterroristas’”. Como se o governo brasileiro estivesse a serviço da política antiterrorista estadunidense! Ninguém em sã consciência aprova as ações terroristas ou o tráfico internacional de armas, drogas e seres humanos, atualmente as três fontes de maior rentabilidade imediata. Mas fazer disso um pretexto para vigiar os passos daqueles que buscam melhores condições de vida através da migração é algo que tampouco se pode aprovar. Identificar, sem mais, criminosos e imigrantes é coisa de sociedades ou autoridades paranóicas. Faz lembrar os tempos medievais em que os pobres e desempregados, infiéis ou oposicionistas podiam ser condenados à fogueira como bruxas ou hereges. Não é isso, aliás, o que vem acontecendo dentro dos próprios Estados Unidos, com a recente tentativa de impor uma lei que criminaliza aleatoriamente todos os imigrantes em situação irregular, bem como as empresas que lhes dão trabalho? Felizmente os imigrantes estão reagindo! Aos milhares e milhões saem às ruas e praças, em várias cidades dos Estados Unidos, para reclamar o direito a uma cidadania, a qual, desde os países de origem, lhes vem sendo sistematicamente negada. “We are America” – dizia um cartaz em meio a uma dessas grandes manifestações. Em situação regular ou irregular, os imigrantes são também responsáveis pela formidável riqueza dos Estados Unidos. Historicamente, a grande nação cresceu e se consolidou com os braços e os sonhos dos que vieram de fora. Por que então impedir que tenham o direito de desfrutá-la como qualquer cidadão nascido aí? A verdade é que, de forma seletiva e dissimulada, os EUA abrem aos imigrantes clandestinos a porta dos fundos, porque necessitam de mão-de-obra para os serviços mais sujos e pesados, mais perigosos e mal pagos. Depois fecham porta da frente, na medida em que lhes negam o status de trabalhador regular, com todos os benefícios legais de uma verdadeira cidadania. Numa perspectiva de resistência por parte dos imigrantes, o 1º de maio de 2006, nos Estados Unidos, certamente entrará para a história. Os imigrantes prometem mostrar sua força, colocando-a desta vez não a serviço do trabalho diário, mas a serviço de sua organização. Dos mais distintos países, idiomas e costumes – asiáticos, latino-americanos, afro-descendentes – prometem sacudir o “sonho da liberdade americana”. Sonho que não é exclusivo de quem nasceu no território norte-americano, mas de quem nele verteu suor, sangue e lágrimas, na busca de trabalho e vida. Mais do que nunca, como dizia Scalabrini, “a migração amplia as fronteiras da cidadania”, ou ainda “para o migrante, a pátria é a terra que lhe dá o pão”. Migrantes são uma onda de ar primaveril numa sociedade que se aproxima do outono, ou como sangue jovem num organismo ameaçado pela decrepitude. Em poucas palavras, terrorismo e narcotráfico não rimam com migração. Se é verdade que os grupos terroristas e narcotraficantes utilizam eles também as rotas da migração, e se é verdade que o tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual constitui hoje uma das faces mais cruéis da migração internacional, também é verdade os grandes fluxos e tendências migratórios propriamente ditos o são por motivos bem distintos. Como sabemos, na origem e na base dos grandes deslocamentos humanos estão, por um lado, as assimetrias crescentes entre países ricos e pobres, as desigualdades sociais entre as regiões de um mesmo país, bem como a concentração de renda em nível mundial e a conseqüente exclusão social. Por outro lado, muitos de vêem obrigados a deixar a terra em que nasceram devido aos conflitos bélicos, abertos ou velados, às diferenças étnicas e/ou religiosas, aos confrontos entre guerrilhas e exército, às “calamidades naturais” (entre aspas, porque muitas são provocadas pela devastação da natureza ou pela contaminação do meio ambiente), enfim, às mais diferentes causas. Concluindo, mais do que nunca é preciso distinguir bem essas causas da migração, de um lado, e as motivações ocultas do crime organizado, de outro. Confundir uma coisa com a outra só interessa a quem está dominado pela paranóia do medo e do poder. E se tanto os migrantes quanto os traficantes utilizam a Ponte da Amizade entre Brasil e Paraguay, isto não quer dizer que devam ser tratados do mesmo modo. Se o crime tem de ser combatido em quaisquer circunstâncias, o migrante deve ser visto não como problema, e sim como oportunidade. Oportunidade de encontros e reencontros, de intercâmbio entre grupos e povos, de mútuo enriquecimento de valores éticos, culturais e religiosos. - Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS Ciudad Del Este, Py, 30 de abril de 2006
https://www.alainet.org/pt/articulo/115042

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