Discípulos de Jesus hoje
17/07/2006
- Opinión
O discipulado cristão tema de fundo da V Conferência do episcopado latino-americano, a realizar-se em 2007 em Aparecida, SP - é algo que está nas raízes da identidade do povo de Deus. O Cristianismo apenas retomará e fará nova leitura desse tema dentro da novidade que o Evangelho traz. Desde muito cedo, o povo de Israel compreende a si mesmo a partir da escuta do que Deus lhe diz. Escutar a Palavra de Deus e colocá-la em prática permitiu a Israel, amada com loucura por Yahvé, seguir adiante na dinâmica da Aliança. Apesar de suas muitas infidelidades, Israel foi uma e outra vez chamada e desposada, convidada a entrar de novo no caminho do amor, respondendo à eleição e à chamada de Deus com todo seu coração, seu entendimento, suas forças. A Aliança é a chave pela qual o povo de Deus se autocompreende, experimenta e compreende o amor de seu Deus. Ao longo de toda a história de Israel, a Aliança de amor feita por Deus com o povo é alimentada por três fontes principalmente: a Torah, a Lei de um povo livre, pedagoga da vivência do amor; os profetas, responsáveis por fazer que o povo não se afaste da Aliança e volte sempre para os braços de seu Deus; a sabedoria, que ensina como ser fiel à Aliança em todas as situações vitais, inclusive aquelas que tocam os limites da condição humana. Os profetas, porta-vozes de Deus e do povo, compreenderam este mistério e o viveram, muitas vezes com dor e dilaceramento interior. Entenderam sua vocação como um discipulado, no qual eram constante e pacientemente ensinados por Deus. Chamados a escutar Sua Palavra e possuídos por Seu Espírito, levavam essa Palavra que lhes queimava a boca e as vísceras, e a transmitiam ao povo, para que voltasse ao amor de seu Deus. O livro de Isaías a partir do capítulo 40 profetiza em uma situação de sofrimento e dor. No exílio da Babilônia, o povo se sente infeliz e desesperançado. Parece que todos os caminhos se fecharam. Semelhante à situação do povo latino-americano, os israelitas exilados sofrem a opressão, a injustiça, a nostalgia da terra que foi deles e se perguntam se Deus os abandonou. O profeta apresenta em seus cantos a figura do Servo que sabe escutar com atenção o plano de Deus, suporta os sofrimentos inerentes à missão e confia no amparo e auxílio do Senhor. Sua atitude de confiança inquebrantável contrasta com a do povo, que se encontra a ponto de submergir na dor e na desesperança. Isaías apresenta nos capítulos 50 a 53 de seu livro seu estilo de discipulado, inseparável de seu ministério da Palavra. Introduz diante de nossos olhos o que é e no que implica a identidade, a vocação e a missão do Servo, que é acima de tudo um discípulo que escuta amorosamente e se deixa moldar e enviar pela Palavra de Deus. Nesse muito belo e inspirador texto vemos toda a aventura e o destino do discípulo que é eleito em favor de um povo que sofre. É alguém que escuta, que obedece, que é enviado e que dá frutos. Nesse texto onde o profeta fala ao mesmo tempo de si mesmo e do resto fiel e crente dos exilados na Babilônia, podemos sentir toda a profunda e misteriosa vocação do discípulo: O Senhor me deu uma língua de discípulo para que saiba sustentar com minha palavra ao cansado. Cada manhã desperta meu ouvido para que escute como os discípulos. O Senhor me abriu o ouvido, e eu não resisti nem recuei. (Is 50, 4). O profeta continua expondo qual será o destino desse Servo que se dispõe a ser discípulo com toda a sua pessoa. E nos oferece uma prefiguração do que será mais tarde o discipulado cristão: Ofereci minhas costas aos que me golpeavam, minha face aos que arrancavam minha barba; não ocultei o rosto ante os insultos e cusparadas. O Senhor me ajuda, por isso suportava as ofensas, por isso endureci meu rosto como uma pedra, sabendo que não ficaria defraudado. Meu defensor está perto, quem me denunciará? (Is 50, 6-8). O discípulo pode transmitir a palavra e consolar, porque ele mesmo escuta a cada manhã e tem o ouvido aberto. Ou seja, está sempre em comunhão com o Deus que lhe fala amorosamente e o envia. Para sustentar ao que está cansado e devolver esperança ao que está abatido, terá de ser ensinado por Deus. E o discípulo de que fala Isaías é pessoa de oração e dócil ao Espírito de Deus. Os sofrimentos que lhe chegarão por cumprir o que ouviu, ele os suportará e deles não fugirá. Enfrentará os conflitos e não tentará escapar deles. Porque confia plenamente naquele que lhe desperta o ouvido e a língua e o consola para que seja por sua vez o consolador de um povo que está a ponto de perder a esperança e a confiança. Assim, a preparação para a V Conferência do Episcopado latino-americano exorta a todos os cristãos que sejam verdadeiros discípulos, permanentemente à escuta de Deus que lhes fala e consola, a fim de que possam erguer o povo em direção à esperança. - Maria Clara Bingemer é autora de "Deus amor: graça que habita em nós² (Editora Paulinas), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
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