Braços abertos sobre a Guanabara

15/10/2006
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Desculpem-me os leitores, mas ainda não quero escrever sobre o segundo turno. As primeiras pesquisas já trouxeram seus resultados e o tempo que resta até a eleição é tão curto que se torna pouco provável que a situação mude de maneira muito consistente. Além disso, analistas mais abalizados já se pronunciaram, analisaram, falaram, até a exaustão. Prefiro, pois, escrever sobre algo mais belo e inspirador: a comemoração dos 75 anos do Cristo Redentor do Corcovado. Monumento mais famoso da cidade, cartão postal do Brasil, imagem reveladora da identidade de nosso povo, a enorme estátua que recebe por dia inúmeros turistas e peregrinos, é dele que desejo falar, desta marca registrada do Rio que hoje celebra aniversário. Vivemos um momento em que os símbolos cristãos vão sendo progressivamente tragados pela onda de modernidade e técnica secularizada que os destrói para transformá-los em espigões de mau gosto; ou que os oculta em benefício do lucro e do concreto armado. Aqui e agora exatamente é digno e justo celebrar um dos poucos direitos que restaram ao carioca que assiste desolado à progressiva destruição de sua cidade pela violência e pelo tráfico: extasiar-se a cada dia na contemplação dessa estátua, que é o símbolo do Rio e que desde o alto de sua posição privilegiada contempla e abençoa a cidade. Tão forte é o poder de atração do Cristo Redentor que sua beleza foi celebrada por crentes e não crentes, em escritos, música, pinturas, esculturas. E também charges, tiras humorísticas, desenhos, cartoons, cinema. Enfim todas ou quase todas as formas que o espírito humano encontra para expressar a beleza, a riqueza da forma, a inspiração que se faz tempo e espaço e assim se imortaliza já voltaram seus olhos para o Cristo Redentor, a fim de retratá-lo, e sobre ele provocar reflexão. Aqueles que, como eu, nesta cidade cada dia mais desumanizada por um crescimento urbano desordenado, ainda conseguem ver da janela de seu local de trabalho a figura do Redentor sabem o privilégio que têm e como isso é importante em suas vidas, nas pausas de um ritmo de trabalho às vezes frenético e desintegrador. Olhar para o Cristo conforta os olhos, a mente e o coração. É impossível chegar de avião, de volta de uma viagem – longa ou curta, não importa – sem sentir ressoar nos ouvidos o famoso e belo “Samba do avião”, do maestro Antonio Carlos Jobim: “Cristo Redentor, braços abertos sobre a Guanabara”... E quando, de minha janela, olho o Cristo e sinto-me revigorada para continuar a luta cotidiana, tampouco posso deixar de recordar-me de outra canção do Maestro maior da MPB: “... da janela vê-se o Corcovado, o Redentor, que lindo!” E sinto que quero a vida sempre assim. Daqui não desejo sair, cidade querida que me viu nascer e sempre amei. Apesar da triste insegurança que hoje reina em tuas ruas; apesar da violência; apesar do caos urbano e do trânsito engarrafado; apesar do calor inclemente que nos massacra nove meses ao ano. Olho para o Cristo Redentor e parece-me que ouço saindo de seus lábios, a passagem do evangelho de Lucas que Jesus pronuncia dolorosamente sobre Jerusalém: “Ah se tu soubesses nesse dia o que te pode trazer a paz...”. E sinto que enquanto o Redentor estiver de braços abertos sobre a Guanabara, haverá redenção, haverá futuro para o Rio de Janeiro, cartão de visita do país, pobre cidade tão abandonada pelos governantes, mas certamente não esquecida por Deus. - Maria Clara Bingemer é teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, autora de "Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
https://www.alainet.org/pt/articulo/117606
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