Processo político na América Latina concentra atenção de africanos
25/01/2007
- Opinión
NAIROBI (QUÊNIA) – A intervenção do queniano Gacheke Gachihi, de 28 anos, nos debates sobre a relação entre partidos políticos e movimentos sociais ocorridos durante o VII Fórum Social Mundial foi feita com uma única finalidade. O jovem ativista que trabalha para uma organização não-governamental (ONG) que investiga casos de violência e abuso policial clama por uma aproximação maior dos movimentos sociais de países da América Latina com os excluídos da África e sugeriu inclusive a realização de um evento específico que reúna os dois continentes separados por fenômenos geológicos ocorridos há muito tempo.
“Nós africanos estamos muito atrás em termos de movimentos sociais. Ainda somos muito fracos. A América Latina tem países – especialmente a Bolívia, o Brasil, o México, a Venezuela e Cuba - com movimentos sociais e indígenas muito fortes. São conscientes a respeito de questões como a terra e os recursos naturais e têm capacidade para pressionar os governos em prol da vontade popular”, sustenta.
Em outra dependência que abrigou atividades do VII FSM, um grupo de camaroneses formava uma roda de discussões autônoma. Todos vestiam uma camiseta com a seguinte mensagem: “Os camaroneses apóiam Chávez”, em saudação explícita ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez.
Os dois episódios mostram o especial interesse que entidades e militantes africanos nutrem pela América Latina. As próprias organizações venezuelanas organizaram eventos para apresentar mais elementos sobre o “socialismo do século XXI” apregoado - e referendado com a edição da nova Lei Habilitante (que permite que o presidente tome decisões por decreto em determinados setores) do início deste ano - por Chávez.
Num desses debates, venezuelanos destacaram a iniciativa de instalação de bancos descentralizados para o desenvolvimento rural como um dos pontos fortes do governo Chávez. Ligados ao Ministério da Agricultura, esses estabelecimentos pretendem reunir, além de um centro de empréstimos estabelecidos de acordo com a demanda das comunidades, um espaço cultural, um telecentro (com computadores conectados à internet) e uma radio comunitária. As decisões acerca do financiamento, de acordo com os palestrantes, partem de conselhos comunais e visam prioritariamente a produção para consumo e sustentabilidade locais.
Sobre a nova Lei Habilitante, sublinharam que o governo comprou ações (25% estavam na Bolsa de Nova Iorque) a preço de valor nominal (e não de mercado) da CanTV, empresa de telecomunicações. Quando a nacionalização foi anunciada, as ações caíram 14%. “Trocamos a internacionalização pela internalização”, disse um dos venezuelanos.
Segundo Vidal Cisneros, deputado do Movimento V República (MVR), partido de Chávez, o que caracteriza a Revolução Bolivariana é o exercício do poder pelo povo que, conseqüentemente, aponta para um sistema que não é o capitalista. No caso de Venezuela, explica, a Constituição foi mudada porque estava defasada em relação a esses mesmos anseios. “Os processos sociais são mais rápidos. Em conjunto, o nosso continente vai avançando. Cada país no seu ritmo. O Equador acabou de dar um salto com Correa”.
“O que ocorre na Venezuela é um processo rico e cheio de contradições”, opina o sociólogo venezuelano Edgardo Lander. O governo, explica, repete alguns padrões de poder e ao mesmo tempo está propiciando uma construção “massiva e potente” de uma nova realidade. “Existem ainda problemas como a confusão entre o partidário e o estatal. O que a Venezuela não pode fazer é se fechar a críticas”.
A busca pela hegemonia por meio de frases de impacto como “socialismo ou morte” e o empenho pela permanência no poder de Chávez foram criticados pela uruguaia Lílian Celiberti, do Fórum Cone Sul de Mulheres Políticas. Ela também detonou a aliança com pretensões eleitorais feita pelo recém-empossado presidente Daniel Ortega, da Nicarágua, com setores ultraconservadores da Igreja Católica. “Os modelos antigos de socialismo, inclusive na África, foram vencidos. Temos que rediscutir a questão do poder, da democracia participativa e dos partidos políticos”, arremata.
Na Bolívia, assinala o político Hugo Fernandez, da Unitas, a relação entre governante e governado mudou radicalmente com a eleição de Evo Morales. O movimento indígena, camponês e originário, principal força política do país, busca, segundo ele, alternativas à revisão do sistema colonial de exploração de riquezas e do trabalho que caracteriza o neoliberalismo, por meio da nacionalização dos recursos naturais e da garantia do direito à terra.
“Existem quatro países na África que são muito influentes: Egito, Quênia, Nigéria e África do Sul. Os norte-americanos e os britânicos têm o controle dos recursos naturais em todos esses paises”, comparou queniano Gachihi, originário do grupo étnico Kikuyu, o mais populoso do país. Ele foi obrigado a deixar o seu povoado no interior do Quênia, aos 14 anos (em 1992) para migrar para Nairóbi em busca de oportunidades. “É preciso que todos os quenianos entendam que nós somos donos dos nossos recursos naturais. De 1978 a 2002, fomos governados pela ditadura de [Daniel Arap] Moi, que contava com o suporte do governo britânico. Em 2002, foi eleito [Mwai] Kibaki. Ambos venderam companhias estatais para financiar o orçamento federal e deixaram a classe média muito contente. Os pobres ficaram sem nada”, relatou. “Na América Latina, os movimentos sociais estão ligados a organizações de base. Aqui no Quênia não há nada disso”.
Fonte: Carta Maior
http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia...
https://www.alainet.org/pt/articulo/118943
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