Uma Companhia para o século XXI
07/01/2008
- Opinión
Não, não me refiro a companhias de capital aberto ou fechado. A sociedades anônimas, que visam ao lucro e se movem no cenário internacional ou nacional buscando as transações mais vantajosas para crescer e expandir-se. Embora reconheça que a existência de tais companhias é um dado de realidade; que no atual cenário algumas delas desempenham papel importante na sociedade, gerando empregos, fazendo crescer a indústria etc., refiro-me a uma outra companhia.
Muitos interpretam o nome de Companhia em clave unicamente militar. É verdade que o fundador passou por aí antes de sua conversão e, ao fundar a ordem religiosa que revolucionaria a Igreja na virada da modernidade, assimilou nas Constituições alguns dos elementos da organização à qual pertencera. No entanto, não reside aí o cerne do nome companhia. E sim na idéia de “companheiros”. A Companhia de Jesus, para Santo Inácio, é formada pelos companheiros. Companheiros de Jesus e entre si mesmos.
Desde sua fundação, com escassos nove membros, a Companhia de Jesus cresceu e se tornou seguramente o grupo religioso mais forte da Igreja Católica. Ao mesmo tempo, por ser inovadora e conceber a vida religiosa não fechada no claustro, mas exposta às intempéries do mundo, não esteve isenta de contradições e ambigüidades. Por isso, em alguns dicionários o termo jesuíta é sinônimo de hipócrita e os filhos de Inácio foram expulsos de muitas partes do mundo. Chegaram mesmo a ser extintos, dissolvida que foi a Companhia de Jesus por várias décadas, tendo renascido das próprias cinzas posteriormente.
Desde o último dia 6 de janeiro, representantes da Companhia de Jesus no mundo inteiro estão reunidos em Roma para repensar sua identidade e missão para os anos vindouros. E sua primeira providência será eleger um novo Superior Geral. Pela primeira vez na história, o assim chamado “Papa Negro” renuncia ao cargo ainda em vida e sua renúncia é aceita pelo Papa. O novo geral, que será eleito pelos 225 delegados de todas as províncias da Ordem, terá diante de si uma árdua e bela missão: governar a Companhia pelos próximos anos.
Diante de si terá dois grandes e reais desafios. A diminuição dos efetivos é o primeiro deles. Como todas ou quase todas as ordens religiosas, a Companhia de Jesus também viu seus membros diminuírem drasticamente após o Concilio Vaticano II. Levar adiante a missão que é a sua com menos gente vai seguramente requerer discernimento e habilidade, a fim de não fechar portas, mas ao mesmo tempo delegar a leigos colaboradores, ou a outras instâncias eclesiais obras que já não pode levar adiante.
O segundo é tão grande quanto o primeiro, porém mais fascinante. Trata-se de apontar as prioridades que uma ordem com seu perfil deve escolher para responder aos desafios do mundo de hoje. Pertence à tradição da Companhia, sem dúvida, ter sabido responder à altura às interpelações mais diversas dos mais diferentes tempos. Assim é que encontramos jesuítas no Oriente e na América, falando os idiomas locais e assimilando-se aos costumes das populações, a fim de aproximar-se delas. Em colégios e Universidades, na pesquisa de ponta ou nos lugares mais abandonados do mundo, nos leprosários ou nas cortes, nos campos de refugiados ou junto aos líderes de toda sorte, aí sempre se encontraram os jesuítas.
O mundo agora mudou e muda muito rapidamente. As novas tecnologias que tornaram a terra plana certamente são um grande desafio para a missão da Companhia de Jesus. Assim também o crescimento das outras religiões, a desinstitucionalização da experiência da fé, e tantos mais.
Esperemos que a profunda experiência de Deus, o espírito inovador e o gênio articulador de Inácio de Loyola estejam bem presentes, inspirando os companheiros de Jesus nestes dias em que se reúnem para refletir e pensar juntos para onde o Espírito os conduz neste conturbado século XXI.
- Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.
Muitos interpretam o nome de Companhia em clave unicamente militar. É verdade que o fundador passou por aí antes de sua conversão e, ao fundar a ordem religiosa que revolucionaria a Igreja na virada da modernidade, assimilou nas Constituições alguns dos elementos da organização à qual pertencera. No entanto, não reside aí o cerne do nome companhia. E sim na idéia de “companheiros”. A Companhia de Jesus, para Santo Inácio, é formada pelos companheiros. Companheiros de Jesus e entre si mesmos.
Desde sua fundação, com escassos nove membros, a Companhia de Jesus cresceu e se tornou seguramente o grupo religioso mais forte da Igreja Católica. Ao mesmo tempo, por ser inovadora e conceber a vida religiosa não fechada no claustro, mas exposta às intempéries do mundo, não esteve isenta de contradições e ambigüidades. Por isso, em alguns dicionários o termo jesuíta é sinônimo de hipócrita e os filhos de Inácio foram expulsos de muitas partes do mundo. Chegaram mesmo a ser extintos, dissolvida que foi a Companhia de Jesus por várias décadas, tendo renascido das próprias cinzas posteriormente.
Desde o último dia 6 de janeiro, representantes da Companhia de Jesus no mundo inteiro estão reunidos em Roma para repensar sua identidade e missão para os anos vindouros. E sua primeira providência será eleger um novo Superior Geral. Pela primeira vez na história, o assim chamado “Papa Negro” renuncia ao cargo ainda em vida e sua renúncia é aceita pelo Papa. O novo geral, que será eleito pelos 225 delegados de todas as províncias da Ordem, terá diante de si uma árdua e bela missão: governar a Companhia pelos próximos anos.
Diante de si terá dois grandes e reais desafios. A diminuição dos efetivos é o primeiro deles. Como todas ou quase todas as ordens religiosas, a Companhia de Jesus também viu seus membros diminuírem drasticamente após o Concilio Vaticano II. Levar adiante a missão que é a sua com menos gente vai seguramente requerer discernimento e habilidade, a fim de não fechar portas, mas ao mesmo tempo delegar a leigos colaboradores, ou a outras instâncias eclesiais obras que já não pode levar adiante.
O segundo é tão grande quanto o primeiro, porém mais fascinante. Trata-se de apontar as prioridades que uma ordem com seu perfil deve escolher para responder aos desafios do mundo de hoje. Pertence à tradição da Companhia, sem dúvida, ter sabido responder à altura às interpelações mais diversas dos mais diferentes tempos. Assim é que encontramos jesuítas no Oriente e na América, falando os idiomas locais e assimilando-se aos costumes das populações, a fim de aproximar-se delas. Em colégios e Universidades, na pesquisa de ponta ou nos lugares mais abandonados do mundo, nos leprosários ou nas cortes, nos campos de refugiados ou junto aos líderes de toda sorte, aí sempre se encontraram os jesuítas.
O mundo agora mudou e muda muito rapidamente. As novas tecnologias que tornaram a terra plana certamente são um grande desafio para a missão da Companhia de Jesus. Assim também o crescimento das outras religiões, a desinstitucionalização da experiência da fé, e tantos mais.
Esperemos que a profunda experiência de Deus, o espírito inovador e o gênio articulador de Inácio de Loyola estejam bem presentes, inspirando os companheiros de Jesus nestes dias em que se reúnem para refletir e pensar juntos para onde o Espírito os conduz neste conturbado século XXI.
- Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/125035
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