Crônica de um massacre anunciado
15/06/2008
- Opinión
A psicologia diz que o suicida, ao se matar, na verdade mata o mundo e tudo que está ao seu redor. Mas parece que o assassino quando mata outros também quer, de alguma forma, agredir e destruir o mundo do qual se encontra cansado. Assim foi o gesto tresloucado e fatal de Tomohiro Kato, jovem japonês de 25 anos, que com o carro que dirigia e uma faca afiada matou sete pessoas e feriu outras dez em Tóquio. Aos policiais que o prenderam, Tomohiro disse que havia ido ali para matar pessoas, pois estava cansado do mundo.
O que mais impressiona no caso deste assassinato, que se parece a muitos outros cometidos nas grandes megalópoles modernas, é o planejamento e premeditação. O assassino anunciou previamente, pela internet, através de múltiplas mensagens, tudo o que planejava fazer e nem por um minuto se afastou um milímetro sequer daquilo que havia premeditado e planejado. Após ser detido, Tomohiro Kato disse à polícia que alertara em um site de internet que iria cometer o massacre.
A intenção de usar primeiramente o carro como arma e posteriormente uma faca foi igualmente anunciada por Tomohiro. Aparentemente, as mensagens emitidas pelo assassino foram enviadas em seqüência durante as horas que precederam o crime e descreviam de maneira fiel a forma como os fatos iriam se desenvolver. Tomohiro, tal como havia dito, atropelou várias pessoas com uma camionete que dirigia. Depois saiu do carro e esfaqueou as vítimas que ainda encontrou com vida. Nesse ponto chegou a polícia e o deteve, com o rosto banhado do sangue de suas vítimas.
Nas mensagens em que anuncia sua intenção, o tom se assemelha ao de alguém que acredita que vai cumprir uma missão. Tanto que o título das mensagens enviadas pelo celular de Kato ao site da internet têm o título: "Vou matar pessoas em Akihabara." E em um dos recados posteriores diz textualmente: "Ser apanhado enquanto realizo minha missão talvez seja o pior resultado". Que missão é esta que inebria Tomohiro Kato a ponto de fazê-lo jogar fora toda uma vida jovem com um futuro pela frente? Quem o envia em missão? A quem serve este jovem japonês em sua férrea determinação de matar indiscriminadamente para exorcizar seu cansaço do mundo?
Tristemente, parece que o caso de Tomohiro Kato não é isolado. A imprensa diz que Tóquio, a cidade mais segura do mundo, anda abalada em seus cânones de progresso e tranqüilidade. Ataques a pessoas com facas têm sido mais freqüentes de uns tempos para cá e o governo estuda a possibilidade de mudar a legislação, a fim de proteger melhor os cidadãos japoneses.
Parece ser que o jovem Kato, na verdade, não queria matar o mundo que tanto o cansava e exasperava. Desejava, com sua violência premeditada e deliberada, despertar o mundo, este mundo vazio de sentido, onde se sentia obrigado a viver, a levantar-se, a comer, a dormir, a respirar. O caso de Tomohiro Kato é semelhante às notícias que volta e meia chegam até nós de jovens japoneses que se suicidam por não terem um bom desempenho escolar. Ou de grupos inteiros de jovens que combinam matar-se em conjunto, em lugar previamente marcado, com meios escolhidos por consenso. Ou de outro jovem de 16 anos que, em janeiro passado, feriu várias pessoas a facadas em rua comercial lotada de Tóquio.
Kato se sabia portador de uma missão que na verdade era uma anti-missão. Pois toda missão carrega em seu bojo uma boa notícia que transforma as vidas humanas em sentido positivo. No seu caso, ele trazia a má notícia da morte decorrente do vazio de sentido que o mundo se lhe apresentava. Tomara que aprendamos a tornar a vida mais humana e digna de ser vivida, antes que outras pessoas como Kato comecem a multiplicar-se e exterminar seus semelhantes como único recurso para despertar da letargia um mundo que já não se apresenta como morada acolhedora para o gênero humano.
- Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. é autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor" (Ed. Rocco). wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape <http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape>
O que mais impressiona no caso deste assassinato, que se parece a muitos outros cometidos nas grandes megalópoles modernas, é o planejamento e premeditação. O assassino anunciou previamente, pela internet, através de múltiplas mensagens, tudo o que planejava fazer e nem por um minuto se afastou um milímetro sequer daquilo que havia premeditado e planejado. Após ser detido, Tomohiro Kato disse à polícia que alertara em um site de internet que iria cometer o massacre.
A intenção de usar primeiramente o carro como arma e posteriormente uma faca foi igualmente anunciada por Tomohiro. Aparentemente, as mensagens emitidas pelo assassino foram enviadas em seqüência durante as horas que precederam o crime e descreviam de maneira fiel a forma como os fatos iriam se desenvolver. Tomohiro, tal como havia dito, atropelou várias pessoas com uma camionete que dirigia. Depois saiu do carro e esfaqueou as vítimas que ainda encontrou com vida. Nesse ponto chegou a polícia e o deteve, com o rosto banhado do sangue de suas vítimas.
Nas mensagens em que anuncia sua intenção, o tom se assemelha ao de alguém que acredita que vai cumprir uma missão. Tanto que o título das mensagens enviadas pelo celular de Kato ao site da internet têm o título: "Vou matar pessoas em Akihabara." E em um dos recados posteriores diz textualmente: "Ser apanhado enquanto realizo minha missão talvez seja o pior resultado". Que missão é esta que inebria Tomohiro Kato a ponto de fazê-lo jogar fora toda uma vida jovem com um futuro pela frente? Quem o envia em missão? A quem serve este jovem japonês em sua férrea determinação de matar indiscriminadamente para exorcizar seu cansaço do mundo?
Tristemente, parece que o caso de Tomohiro Kato não é isolado. A imprensa diz que Tóquio, a cidade mais segura do mundo, anda abalada em seus cânones de progresso e tranqüilidade. Ataques a pessoas com facas têm sido mais freqüentes de uns tempos para cá e o governo estuda a possibilidade de mudar a legislação, a fim de proteger melhor os cidadãos japoneses.
Parece ser que o jovem Kato, na verdade, não queria matar o mundo que tanto o cansava e exasperava. Desejava, com sua violência premeditada e deliberada, despertar o mundo, este mundo vazio de sentido, onde se sentia obrigado a viver, a levantar-se, a comer, a dormir, a respirar. O caso de Tomohiro Kato é semelhante às notícias que volta e meia chegam até nós de jovens japoneses que se suicidam por não terem um bom desempenho escolar. Ou de grupos inteiros de jovens que combinam matar-se em conjunto, em lugar previamente marcado, com meios escolhidos por consenso. Ou de outro jovem de 16 anos que, em janeiro passado, feriu várias pessoas a facadas em rua comercial lotada de Tóquio.
Kato se sabia portador de uma missão que na verdade era uma anti-missão. Pois toda missão carrega em seu bojo uma boa notícia que transforma as vidas humanas em sentido positivo. No seu caso, ele trazia a má notícia da morte decorrente do vazio de sentido que o mundo se lhe apresentava. Tomara que aprendamos a tornar a vida mais humana e digna de ser vivida, antes que outras pessoas como Kato comecem a multiplicar-se e exterminar seus semelhantes como único recurso para despertar da letargia um mundo que já não se apresenta como morada acolhedora para o gênero humano.
- Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. é autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor" (Ed. Rocco). wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape <http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape>
https://www.alainet.org/pt/articulo/128180
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