Ano novo – crise velha
- Opinión
O Ano é novo. E janeiro estreia ainda com o gosto dos fogos de artifício, dos dias feriados emendados com os do Natal, com o gosto do champanhe na boca...e ...com o IPTU, IPVA, e etc e etc ...e o medo e o medo...da crise que não é nova, mas a mesma de 2008, carreada para 2009 com juros e acréscimos. E os acréscimos são o cansaço, o desalento, as más notícias que continuam e as imagens que a televisão insiste em mostrar sem cessar.
Os países mais ricos, como os EUA, exibem o lamentável espetáculo de filas de desempregados buscando trabalho. Um quadro que parecia só existir no contexto social das nações mais pobres agora é pão de cada dia das grandes potências, sobretudo da maior potência do Ocidente. Milhares de pessoas demitidas por dia, empresas fechando, o sistema colapsando continuamente.
As medidas de choque, em que bilhões foram sacados dos cofres públicos e derramados sobre o mercado para fazê-lo voltar à saúde, parecem não surtir muito efeito. O ano é novo, mas a crise é velha, e velhos são os problemas que a humanidade enfrenta neste novo ano que mal começou. O velho que gostaríamos de haver deixado para trás parece perseguir-nos nesse ano que começa e já muda nossa vida em um sentido que não queríamos e nos desafia mais do que gostaríamos.
Os pais começam a comprar material escolar antes da hora, ninguém gasta, com medo da economia e seus sobressaltos. Não se sabe se o emprego vai durar, se vai haver trabalho, se o dinheiro estará no bolso. Na dúvida, melhor é se encolher e ficar na defensiva.
Dicas de numerologia e cromoterapia são dadas: usar turquesa para espantar a crise. O número tal é o que dá sorte. Investir nele. Talvez acalme os mais ansiosos, mas certamente não é e nem será solução de nenhuma espécie. Não é assim que se enfrenta uma crise que teima em erodir a novidade do ano que começa e que gostaríamos estivesse revestido de esperança.
Pois nada será novo se nós não nos renovarmos por dentro. O ano poderá ser novo, janeiro poderá estar em seus inícios e as primícias de 2009 se abrirem em flor, mas se dentro de nós faz escuro, não há novidade que consiga romper a casca do desânimo e nos fazer acreditar que a novidade aí está e já já vai aparecer e mostrar seu rosto ensolarado.
De minha parte, espero que essa crise nos mostre e comprove finalmente que o trabalho vale mais que o capital. Que sem trabalho não somos ninguém e, portanto, todo ganho que não abra caminhos para o veio produtivo é estéril e não contribui para que o ano se faça novo e a humanidade cresça e seja mais feliz. As filas de desempregados nos EUA nos mostram seus rostos tristes e com uma sombra de morte: falta de trabalho e falta de pão, de dignidade, de possibilidade de criar, de contribuir, de transformar o mundo. O ser humano não realiza sua vocação se não puder trabalhar. Essa dança estéril do mercado financeiro, que não gera emprego, é esterilizante e deve de uma vez ser colocada em segundo plano em busca de um sistema mais sadio que privilegie o trabalho e garanta vida digna para todos.
De minha parte, pode haver crise velha no ano novo à vontade. Não deixarei de me rejubilar e crer no novo quando vejo no ventre de minha nora a promessa de mais uma neta que vai chegar. Que mundo esperará Maria Antonia, que nem nasceu e já tem nome? Um mundo em crise, sim. Mas quando não houve crise? A de agora é esta, com este rosto. A de antes tinha outro. A de depois terá ainda outro.
O que importa é que Maria Antonia saiba que renovar seu interior é o grande segredo para enfrentar as crises e nunca permitir que o velho infeccione o novo e lhe atrapalhe a saúde. É na esperança nova na vida nova que trazemos em nós que está a receita para enfrentar a crise, seja combatendo os problemas que estão em nosso caminho, seja assumindo as atitudes pertinentes, para que os efeitos dessa crise atinjam minimamente os outros.
Assim é que... com crise e apesar dela e através dela... Feliz Ano-Novo!
- Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.
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