A mística, energia de vida
05/11/2012
- Opinión
“As grandes tradições orientais do Hinduísmo e do Budismo presenteiam a humanidade com místicas muito profundas. Hoje existem terapias baseadas em métodos de respiração oriental. No mundo, inteiro, muita gente faz ioga. Outras tradições espirituais como o Xamanismo têm outras propostas de misticismo. Em que consiste a mística cristã?”. Essa pergunta me foi dirigida em uma entrevista na televisão e muita gente a retoma com certa frequência. Não se trata apenas de uma questão religiosa em si, mas de saber qual é a contribuição da mística para que as pessoas possam ter uma vida mais equilibrada e sadia.
Mística tem a mesma raiz de mistério. Vem de um termo grego que significa iniciação. Diz respeito à intimidade mais profunda que motiva e impulsiona a vida interior de alguém e de um grupo. Como ninguém pode encontrar a Deus, nem ao outro ser humano, se não se encontra profundamente consigo mesmo, o cultivo da interioridade é básico em todas as tradições espirituais. Na Bíblia, um salmo ora: “Unifica o meu coração, para eu viver na intimidade do teu amor” (Sl 86, 11). Os místicos antigos se chamavam monges (o termo grego monos quer dizer uno) porque viviam para alcançar a unidade interior. São Gregório escreveu sobre São Bento que ele “habitava consigo mesmo”. Essa busca da unidade interior é graça divina, mas pede um cultivo. Não acontece espontaneamente e sem método. Alguns elementos desse caminho são universais e ecumênicos. Outros são próprios de uma ou outra tradição. O Cristianismo antigo herdou das religiões orientais a técnica da meditação, retomou a repetição de um mantra ou invocação (por exemplo, a oração do nome de Jesus). Refez costumes como a peregrinação e a importância da solidariedade e da partilha. Essas duas dimensões (a interior e a social) se completam uma a outra. O Budismo faz da esmola uma exigência prévia para alguém ser monge. O Islã também coloca a misericórdia com o outro como mandamento fundamental. O Cristianismo insiste que se a gente não se relaciona com o irmão a quem vê não pode se relacionar com Deus a quem não vê (Cf. 1 Jo 4, 20). Dietrich Bonhoeffer, teólogo, vítima do nazismo, dizia: “O Cristo está em mim para você e está em você para mim. Ele está em mim, mas eu só o encontro em você e está em você, mas você só pode encontrá-lo em mim”.
Hoje, existem grupos espiritualistas que desenvolvem um tipo de espiritualidade baseada na autoajuda, em cuidados consigo mesmo e com a saúde. Esse tipo de caminho é legítimo e pode ser até importante, mas não chega a ser verdadeiramente um caminho espiritual, enquanto não nos leve a sair de uma autoajuda de tipo egoísta para nos colocar em comunhão com os outros e com todo o cosmos.
Em um mundo agitado e uma sociedade agressivamente competitiva, a contribuição mais importante de uma mística ecumênica é nos tornar capazes de sermos pessoas de profunda escuta do outro, capazes de comunhão universal e profundamente solidários com o destino da humanidade. Na primeira vez em que o Dalai Lama veio a São Paulo, alguém lhe perguntou como, na cidade grande, desenvolver um caminho místico. Ele respondeu: “Toda pessoa tem dentro de si uma semente de compaixão. Você é uma pessoa mística quando a desenvolve e a faz transformar-se em uma árvore que se identifica com o seu modo de viver”.
https://www.alainet.org/pt/articulo/162403
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