A deposição de governos na América Latina pela via jurídico-parlamentar

13/04/2016
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Do mesmo modo que nos anos 60 e 70 do século passado vários governos foram depostos por golpes militares na América Latina, em nossa atualidade estão sendo aperfeiçoados os mecanismos de deposição de governos pela via jurídico-parlamentar.

 

O golpe de estado em Honduras, que destituiu o presidente Manuel Zelaya em 2009 parece ter sido uma transição entre os dois modos de atuação, tendo sido caracterizado como golpe militar pela Onu. Porém, o que o torna idêntico ao método que passou a ser usado desde então, é o fato de ter sido formalmente operado pela via das instituições, com a participação do poder judiciário e parlamentar.

 

O golpe de estado no Paraguai, que destituiu Fernando Lugo em 2012, contou com a anuência desses mesmos poderes e completou a transição, com o uso da figura formal do impeachment e a deposição do presidente pelo senado em processo que durou 24 horas. O Mercosul identificou tal processo como “ruptura da ordem democrática” e o Paraguai foi suspenso do bloco por um ano, por haver desrespeitado o Compromisso Democrático no Mercosul, firmado em 1998. A Unasul, igualmente, se posicionou contra o processo e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA manifestou que o julgamento, político e sumário, afetou o Estado de Direito no país. Cabe igualmente agregar que o motivo evocado para o impeachment do presidente, o “mau desempenho” de suas funções, era inconsistente sob o aspecto material para a adoção dessa medida.

 

Uma análise de hegemonia, nos dois casos, nos revela que tais golpes ocorreram como desdobramento de crises políticas, assentadas no fato de que os setores progressistas conquistaram a presidência do país mas não obtiveram uma maioria parlamentar de esquerda. Assim, a correlação de forças desfavorável possibilitou a ocorrência dos golpes.

 

Essa mesma condição se verifica atualmente no Brasil e na Venezuela. No caso brasileiro, instaurou-se o processo de impeachment. No caso venezuelano, a oposição busca aprovar uma lei que permita realizar o referendo revogatório. Em ambos os casos, a tentativa de deposição dos governos constrói um eixo de lutas que apresenta a deposição desses governos como condição de superar a crise econômica, a recessão e a inflação.

 

A atitude do Mercosul em suspender o Paraguai por um ano nas decisões do bloco foi um marco histórico importante no enfrentamento dessa prática. Pois, embora aparentemente legal, o impeachment realizado, tanto por seu procedimento formal quanto por seu objeto material, violou a democracia no país. Paradoxalmente, entretanto, uma possível suspensão do Brasil no Mercosul, caso o impeachment venha a ser aprovado, contribuiria com o próprio objetivo das forças golpistas em enfraquecer o bloco.

 

O impeachment da presidente Dilma, sem a comprovação de crime de responsabilidade, corresponde a um golpe de Estado dessa natureza, cuja técnica foi aprimorada em relação ao Paraguai, pois em nosso país os prazos legais estão sendo cumpridos. Porém, o objeto material invocado para a destituição da presidente não corresponde ao exigido pela lei 1.079/1950 como crime de responsabilidade, o que caracteriza efetivamente como golpe o uso desse instrumento.

 

A técnica para realizá-lo não apenas foi aprimorada em sua forma de execução institucional, como igualmente no modo como a adesão social a esse eixo de lutas foi obtido, com o concurso das mídias de massa e da Internet, particularmente de redes sociais, repercutindo trechos de documentos sob segredo de justiça, replicados e distribuídos com a participação criminosa de atores na esfera do poder judiciário, violando a Constituição e o Código do Processo Penal.

 

Para enfrentar esse eixo de lutas do impeachment é necessário, entre outras coisas, explicitar as suas conexões internas, que vinculam a saída da crise à realização das medidas do Plano Temer, incluindo a supressão de direitos sociais e trabalhistas, o fim da exclusividade da Petrobras na exploração do pré-sal — com a aprovação do projeto de José Serra — e a possibilidade de transferência de ativos da União à iniciativa privada, isto é, a privatização desses ativos, entre os quais se incluem a Petrobras e os Correios. Todas essas medidas, se implementadas, trarão imensas perdas à sociedade brasileira, seja para os mais pobres e para a classe média da geração presente, mas igualmente para as gerações futuras.

 

Os olhares da América Latina se voltam angustiados para o Brasil, pois, se esse golpe de estado jurídico-parlamentar for aqui vitorioso, a mesma técnica se propagará pela região, sempre que se elejam governos progressistas, mas não se consiga eleger uma maioria de esquerda no congresso para evitar o uso fraudado desse instrumento.

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/176719?language=es
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