Monopólio da mídia e golpe no Brasil

A falta de compreensão dos governos progressistas sobre o caráter estratégico da pauta da comunicação, resultou no não enfrentamento do tema.

10/06/2016
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Foto: Felipe Bianchi midia golpista2   felipe bianchi
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Artigo publicado em espanhol na Revista América Latina en Movimiento No. 513, 514: La comunicación en disputa 02/06/2016

O Brasil passa por uma das mais delicadas situações políticas de sua história recente. De 1985, data que marca o início da transição democrática, até 2016, o país viveu o período democrático mais longo de toda a sua história: 31 anos. Esta trajetória foi interrompida no dia 12 de maio, quando o Senado Federal afastou temporariamente do cargo a presidenta da República, Dilma Rousseff.

 

O processo de impeachment conduzido pelo parlamento nacional contra Dilma é baseado em fatos que não configuram crime de responsabilidade fiscal, como previsto nas leis nacionais. Na verdade, a peça jurídica montada contra ela é uma cortina de fumaça para levar a cabo um golpe institucional-midiático-jurídico, que teve início no dia 26 de outubro de 2014, quando Dilma saiu vitoriosa das urnas.

 

Inconformados com mais uma derrota, a direita iniciou uma campanha oposicionista inconsequente, que aprofundou a crise econômica, disseminando intolerância e gerando uma grande instabilidade política no país.

 

Assumiram a tática do quanto pior melhor para atacar o projeto político que, ao longo dos últimos 13 anos, foi responsável pela inclusão social de mais de 40 milhões de brasileiros que viviam na miséria, pela inclusão de jovens pobres nas universidades, por programas de atenção à saúde para dar mais dignidade e qualidade de vida ao povo brasileiro,

 

Enfraquecido e sem base no Congresso Nacional, que tem a composição mais conservadora dos últimos 30 anos, o governo não conseguiu responder aos ataques e acabou afastado.

 

O golpe ainda não teve seu desfecho final. A presidenta será julgada pelo Senado Federal num processo que pode durar até 180 dias. Enquanto isso, o movimento social brasileiro segue mobilizado e nas ruas, disposto a tudo para defender a democracia e os direitos sociais obtidos no último período.

 

O cenário da mídia brasileira

 

É neste contexto que temos que avaliar a situação dos meios de comunicação no Brasil. A mídia brasileira nasceu seguindo o modelo privado-comercial norte-americano. Nas décadas de 30, 40, as emissoras de rádio já adotavam esse modelo, que se manteve com o surgimento da televisão, na década de 60. O Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962 e vigente até hoje, nasceu para organizar a exploração privada-comercial das concessões públicas de radiodifusão.

 

A didatura militar se instala praticamente no mesmo período histórico em que a televisão. Com os militares surge o primeiro e maior conglomerado de mídia do país a Rede Globo de Televisão, hoje Organizações Globo.

 

O cenário que se seguiu foi o da concentração da propriedade e uso da concessão para apadrinhamento político e, decorrente disso, se cristalizou uma mídia poderosa, elitizada e cuja representação social está definida a partir dos interesses econômicos da classe dominante. Não há diversidade cultural, a imensa territorialidade brasileira não está representada nos meios de comunicação, e tampouco há pluralidade de ideias.

 

Luta por uma comunicação democrática

 

Nos últimos anos, em particular a partir da eleição do ex-presidente Lula, ampliaram-se as vozes que se ergueram para exigir uma comunicação mais democrática no Brasil. O movimento de luta pela democratização da comunicação se fortaleceu e ganhou adeptos. Ampliamos o debate sobre o caráter estratégico do enfrentamento ao monopólio privado da mídia brasileira para transformar o país e implementar um novo projeto de desenvolvimento econômico e social no Brasil.

 

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – FNDC – que é um espaço de articulação dos movimentos sociais brasileiros em torno da pauta – desenvolveu ao longo dos últimos anos inúmeras campanhas para pressionar o governo a debater o tema da comunicação.

 

Em 2009, último ano do segundo mandato do governo Lula, conseguimos depois de muita luta e diálogo garantir a realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, com a participação de uma parcela pequena dos radiodifusores, de empresários das telecomunicações, do setor público e da sociedade civil. Mais de 600 propostas foram aprovadas e poderiam originar políticas públicas de comunicação de caráter democráticos.

 

Dali, um grupo de trabalho coordenado pelo então ministro da Secretária de Comunicação Social foi criado para elaborar um anteprojeto de novo marco regulatório para o setor das comunicações. Contudo, já fim de governo, a proposta foi entregue ao novo governo de Dilma Rousseff, nas mãos do seu primeiro ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. O projeto foi engavetado pelo governo. Dilma assumiu a presidência em 2010 afirmando que na comunicação o melhor controle é o controle remoto.

A partir das propostas produzidas na Conferência, o FNDC elaborou, em 2012, um Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática, uma proposta para regulamentar os dispositivos da Constituição Federal que tratam da Comunicação Social Eletrônica. O projeto se transformou num instrumento de luta e pressão política para mobilizar a sociedade por um novo marco regulatório para as comunicações. Infelizmente, não conseguimos chegar nem perto das mais de 1 milhão e quinhentas mil assinaturas para encaminhar o projeto ao Congresso Nacional. Mas realizamos debates e atividades públicas em torno do conteúdo da proposta, para conscientizar e atrair mais ativistas em prol da democratização da comunicação. Levantamos, também, o slogan: Dilma, Regula Já!, como pressão sobre a presidenta para chamar a atenção para a urgência desta pauta.

 

Em 2014, com o acirramento da disputa política e a elevação do tom bélico e golpista dos meios de comunicação, a presidenta afirmou em sua campanha à reeleição que uma das prioridades de seu segundo governo seria encaminhar a discussão sobre a regulação econômica dos meios de comunicação. Tudo o que o monopólio não quer, já que regulação econômica é fazer valer por lei o que determina a nossa Constituição em seu artigo 220, de que a comunicação não pode ser objeto de monopólio.

 

Em março de 2015, o FNDC realizou o 2º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação, na cidade de Belo Horizonte. Mais de 700 ativistas de todo o Brasil foram à cidade mineira para debater caminhos para fortalecer a luta pela democratização da comunicação. Nossa palavra de ordem, já em meio às ameaças golpistas que rondavam o país era: Sem comunicação democrática não há democracia.

 

Governos progressistas ignoraram a pauta

 

Mas Dilma abandonou o compromisso de campanha. A vitória apertada que obteve em outubro de 2014 e a ação golpista do consórcio oposicionista formado pela mídia, o judiciário e os partidos de direita imobilizou o governo.

 

A falta de compreensão dos governos progressistas sobre o caráter estratégico da pauta da comunicação, resultou no não enfrentamento do tema e não houve debate público sobre a regulação dos meios de comunicação. A mídia privada permaneceu sem regras, abusando do privilégio de serem a única voz a falar de forma massiva para 200 milhões de brasileiros. A mídia foi a principal articuladora da desestabilização política e econômica do país, promovendo ataques cotidianos ao governo, espetacularizando a notícia e criando um clima de ódio e terror diários que levou uma parcela considerável da sociedade a defender a bandeira do afastamento da presidenta. A sociedade brasileira encontra-se à mercê de uma mídia concentrada e golpista.

 

Mídia alternativa e narrativa contra-hegemônica

 

A luta política de embate ao discurso único dos meios de comunicação privados se dá a partir da mídia alternativa, da imprensa do movimento sindical, popular, estudantil, de muitos veículos de comunicação formados por comunicadores populares, dos blogs de opinião, do ativismo realizado nas redes sociais, de coletivos e cooperativas de jornalistas que ousaram trilhar um caminho próprio, longe da redação dos grandes meios de comunicação.

 

A mídia alternativa tem dado voz aos setores invisibilisados e criminalizados pela mídia hegemônica e feito o enfrentamento ao golpe, defendendo a democracia e direitos.

 

A ação da comunicação alternativa está incomodando muito os monopólios, os partidos de direita e a elite conservadora. Para tentar calá-la utilizam-se da Justiça, através de ações que impõe multas econômicas desproporcionais aos meios alternativos. Quer calar pela intimidação e pela asfixia econômica os setores que ousam fazer uma narrativa contra-hegemônica dos fatos em curso no país. Também temos assistido casos de violência moral, física e até a morte de comunicadores no Brasil. A censura econômica e privada é hoje o principal obstáculo à liberdade de expressão no país.

 

Neste cenário, o FNDC – que em abril passado realizou sua XIX plenária – apontou que o momento é de resistência e luta para impedir retrocessos e defender a democracia. A primeira medida do governo provisório foi acabar com o Ministério das Comunicações. Se já tivemos dificuldades em colocar a pauta da democratização da comunicação nos governos democráticos e populares, num governo golpista e que representa os interesses das elites e dos meios de comunicação privado-comerciais será impossível.

 

O desafio do movimento de luta pela democratização da comunicação neste momento é impedir o fechamento da Empresa Brasil de Comunicação e tentar garantir que não haja interferência política na sua linha editorial, temos que lutar para defender a recente experiência de comunicação pública no país. Temos que defender a mídia alternativa dos ataques que virão, garantindo instrumentos de sustentação material dos veículos que surgiram e de defesa da integridade dos jornalistas, comunicadores sociais, blogueiros, enfim, das pessoas que produzem a mídia alternativa no dia a dia. Impedir retrocessos no campo da Internet, tentando barrar projetos de lei que desfigurem uma das poucas conquistas obtidas no campo da comunicação, que foi a aprovação do Marco Civil da Internet. E, principalmente, o desafio de ao lado dos movimentos sociais defender a democracia e denunciar o golpismo em nosso país.

 

 

- Renata Mielli, jornalista, Coordenadora Geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – FNDC, Secretária Geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.

 

Artigo publicado em espanhol na edição 513-514 (maio-junho 2016) da revista América Latina en Movimiento: “La comunicación en disputa” http://www.alainet.org/es/revistas/513-514

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/178059
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