Quanto mais informação, mais dúvidas

11/09/2019
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Análisis
ilustracion_de_pregunta.png
Foto: Ilustração Pixabay / CC
-A +A

Este é o grande paradoxo enfrentado que todos nós começamos a vivenciar na era digital quando nos defrontamos com uma avalanche de versões contraditórias sempre que a imprensa aborda um tema complexo – como, por exemplo, a reforma da previdência ou a crise na Amazônia. É um fenômeno que contraria nossa maneira de ver a informação e sinaliza um profundo desajuste em todo o sistema de produção, processamento e disseminação de notícias jornalísticas.

 

A avalanche de dados, fatos, ideias e eventos publicados na internet multiplicou também as incertezas sobre quase tudo o que conhecemos sobre a sociedade e o mundo em que vivemos. É que a avalanche informativa ampliou exponencialmente o número de percepções e opiniões tanto sobre o que já sabemos como sobre aquilo que começamos a descobrir. Trata-se de uma mega transformação irreversível em nossa cultura informativa e sobre a qual a grande imprensa mantém um intrigante silêncio.

 

O paradoxo mais informação/menos certezas abala um dos princípios básicos da mídia tradicional, que é a ideia da notícia como instrumento eficaz na definição do que é certo ou errado, verdadeiro ou falso. Trata-se de uma percepção difundida massivamente na opinião pública e que viabiliza o negócio da imprensa, quando ela troca noticias por receitas publicitárias.

 

Quanto mais abstratos forem os processos, fenômenos e ideias tratados pelos meios de comunicação, maior a quantidade de dúvidas e inseguranças, fenômeno que acaba alimentando o discurso do ódio porque, diante de incertezas, as pessoas tendem a agarrar-se ao que consideram seguro, rejeitando o que contraria suas convicções. Para ter uma ideia deste fenômeno basta ver a radicalização nas discussões sobre o governo Bolsonaro em redes sociais como Facebook, Twitter e WhatsApp.

 

A avalanche informativa é um fato concreto e irreversível. Até 2010, institutos especializados mediam o volume de material inserido em sites da internet, mas a quantidade cresceu tanto que os números tornaram-se pouco significativos. O IDC (International Data Corporation) afirma que, até o final de 2020, cerca de 1,7 megabytes de novas informações estarão sendo disponibilizados online por segundo e por ser humano. As estimativas sinalizam que até dezembro do ano que vem, o total de dados digitalizados na web deve atingir os 44 zetabytes, ou 44 trilhões de gigabytes. Trata-se de um volume tão grande que supera em muito a nossa capacidade de imaginá-lo.

 

A era da complexidade

 

O aumento vertiginoso das incertezas no trato diário com a realidade que nos cerca configura aquilo que os especialistas batizaram de era da complexidade. Não há mais coisas simples, tipo preto ou branco. Tudo agora é potencialmente complicado dependendo da intensidade de dois fenômenos conhecidos como visibilidade seletiva (selective exposure) e percepção seletiva (selective perspective), ambos estudados pelos psicólogos norte-americanos Albert Hastorf e Hadley Cantril (*) a partir da comparação das reações dos torcedores ao resultado de um jogo de futebol americano.

 

A pesquisa mostrou que as pessoas tendem a se informar, preferencialmente, em jornais, revistas, livros, rádio e televisão com os quais possui algum tipo de simpatia política, ideológica, religiosa ou social. A selective exposure, no jargão acadêmico, é uma forma que o indivíduo usa por dois motivos predominantes: sentir-se confortável porque compartilha as mesmas ideias políticas, religiosas, econômicas ou sociais da publicação; e filtrar os conteúdos a que tem acesso para reduzir o índice de complexidade da leitura, audição ou visualização.

 

Já a selective perception é um processo pelo qual as pessoas avaliam um novo dado, fato, evento ou notícia em função daquilo que já sabem ou conhecem. Os dois processos acabam por consolidar opiniões e conhecimentos pré-existentes, sendo fundamentais na formação das chamadas “bolhas informativas”, um recurso que a maioria das pessoas usa para evitar a perturbadora sensação de dúvida, incerteza e vulnerabilidade a posições antagônicas.

 

As bolhas informativas estão em rota de colisão direta com a irreversível avalanche informativa na internet. Não é mais possível frear o aumento de dados digitalizados e disponibilizados pela internet, o que gera o inevitável corolário de que as incertezas também tendem a se tornar mais intensas e permanentes. Tudo indica que já estamos sendo levados a optar entre aderir a alguma das milhares de “bolhas informativas” ou aprender a conviver com a dúvida e a incerteza.

 

A primeira opção é a mais fácil, porque não implica grandes dilemas ou conflitos, mas nos coloca num ambiente irreal. Já a convivência com a dúvida altera fundamentalmente a nossa maneira de ver o mundo e as pessoas, porque nos obriga a levar sempre em consideração a possibilidade de que nossas opiniões ou percepções estejam equivocadas. Significa admitir que alguém sabe o que eu não sei, e que a solução de qualquer dilema, ou dificuldade, exige um diálogo. É o mundo das novas tecnologias nos forçando a assumir novos comportamentos, regras e valores.

 

(*) They saw a game; a case study. The Journal of Abnormal and Social Psychology, 49(1), 129–134. http://dx.doi.org/10.1037/h0057880

 

***

 

Carlos Castilho é jornalista. Publicado originalmente no Medium

 

edição 1054, 10/09/2019

http://observatoriodaimprensa.com.br/mundo-digital/quanto-mais-informacao-mais-duvidas/

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/202061?language=en
Subscrever America Latina en Movimiento - RSS