Oscar Laborde, presidente do PARLASUL:

«Necessitamos mais de acordos de cooperação do que de livre comércio”

06/02/2020
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Oscar Laborde
Foto: Sergio Ferrari
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  • O tratado da Europa com o MERCOSUL deve ser revisado”

  • O respeito à soberania

 

É muito difícil que o tratado entre a União Europeia e o Mercado Comum do Sul (Mercosul) seja aceito pelos parlamentares argentinos e até mesmo por parlamentares de alguns países europeus. Especialmente, se tanto o resultado final quanto o processo de elaboração forem levados em conta. A reflexão contundente de Oscar Laborde, personalidade de primeira linha na diplomacia sul-americana, deputado argentino no Parlasul (Parlamento do Mercosul) desde 2016 e, a partir de janeiro de 2020, presidente desse legislativo regional.

 

“Este acordo foi resultado de um sigilo total, suspeito e injustificado”, ressalta. “Nós, como parlamentares regionais, não tivemos informação precisa sobre o conteúdo do documento que estava sendo negociado. Os legisladores argentinos também não. Os empresários e os sindicatos, em sua maioria, foram descartados de sua elaboração”, enfatiza Laborde, ex-prefeito da populosa cidade de Avellaneda (entre 1999 e 2003) e diretor do Instituto de Estudios de América Latina (IDEAL), pertencente a Central de Trabajadores de Argentina (CTA).

 

Os vícios e os paradoxos do tratado assinado pelo ex-presidente Mauricio Macri em meados de 2019 são notáveis. “Muitas vezes nós, como parlamentares, tivemos que receber de nossos pares europeus a informação sobre os conteúdos do documento em elaboração. Sem mencionar os sindicalistas argentinos, que tiveram que informar-se através das centrais sindicais europeias sobre o que estava sendo discutido”.

 

O governo anterior “definiu que o acordo é por ‘sim’ ou por ‘não’, sem a possibilidade de modificações”. E isso não pode ser, enfatiza Laborde, que antecipa que o mesmo será levado ao parlamento argentino onde, possivelmente, será rejeitado em sua forma atual, uma vez que não pode ser aprovado caso se considere o seu mecanismo de processamento, que é falho. “Devemos reabri-lo, estudá-lo e conhecê-lo em profundidade, uma vez que é inconcebível que um documento que compromete de maneira tão global as possibilidades futuras do país não seja conhecido em detalhes”, enfatiza.

 

Um “golpe” midiático do governo anterior

 

“No final de junho de 2019, quando Macri -que na época estava na reunião do G20, no Japão- o anunciou o fez porque o governo precisava dar boas notícias em um momento de uma grave crise e não tinha nenhuma boa notícia para anunciar”, explica Oscar Laborde. Nesse contexto, a “maneira como as autoridades argentinas informaram foi patética, estavam interessadas apenas no impacto midiático”.

 

O atual presidente do Parlasul lembra que, na época, não havia tradução do documento para muitos idiomas dos países europeus e tampouco havia sido feita a tradução do inglês para o espanhol; nem se havia integrado a revisão por parte de várias instâncias técnicas. Além disso, o acordo foi anunciado como se estivesse definitivamente fechado e prestes a ser implementado, embora faltasse a aprovação tanto dos parlamentos dos países latino-americanos que compõem o Mercosul, quanto de seus homólogos europeus.

 

“O tratado foi apresentado como muito bom, mas seus conteúdos não eram divulgados ao público. Foi uma grande vergonha. Faltavam vários passos essenciais. O governo anterior buscava apenas publicidade, argumentando as supostas vantagens de um mercado de 500 milhões de pessoas que se abriria, mas sem detalhar as condições, os mecanismos e as limitações”. Constatamos hoje que, assim como nós, vários países europeus têm grandes perguntas e dúvidas sobre o documento, ressalta.

 

Seu olhar crítico também envolve o acordo entre o Mercosul e a Associação Europeia de Livre Comércio (AELE), integrada pela Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein. Lançado em 23 de agosto de 2019, sofre dos mesmos problemas em relação ao sigilo de sua elaboração. “Bem como a falta de uma projeção para o futuro. Não foram realizadas simulações econômicas sobre o impacto do convênio a cinco anos”, condição essencial em toda negociação séria e responsável, explica Laborde.

 

Duas concepções diplomáticas..., dois modelos de país

 

Esses acordos são mais um exemplo -continua o diplomata argentino com status de embaixador- “do estilo de absoluta falta de seriedade da diplomacia argentina durante o mandato anterior”. E expressa as duas concepções, os dois modelos diferentes de país, o de Macri e o impulsionado pelo atual governo, diz ele.

 

O primeiro, com caráter agroexportador, nem um pouco preocupado em negociar com a região e com uma visão política e ideológica alinhada aos Estados Unidos da América. O outro, o atual, interessado em promover e impulsionar a produção nacional, com salários corretos e intensificação do comércio intrarregional. Nossa concepção percebe a América Latina como um polo que deve ser negociado em um mundo multipolar. Com os Estados Unidos, que também é um centro importante. Com o Sudeste Asiático, que é outro. Com a China, com a Rússia, com a Europa. Negociando com todos, porém de igual a igual, insiste Laborde.

 

No centro da nova lógica internacional destaca-se um conceito que o diplomata argentino desenvolve com maestria: mais do que o livre comércio o que devemos promover é a cooperação. “Livre comércio significa que eu te vendo tudo e eu te compro tudo. A cooperação implica expressar, seletivamente, o que me convém vender e o que eu preciso comprar. É assim que entendemos. Convênios onde se estabeleça como cooperar com o outro”.

 

Segundo o presidente do Parlasul, isso implica em “uma análise rigorosa de área por área e de produto por produto... é por isso que eu estou falando de um acordo virtuoso de cooperação”. Nesse sentido, é inadmissível que o governo anterior, antes de assiná-lo, não tenha realizado, por exemplo, uma “simulação de consequências comerciais”, o que é essencial, o que sempre é feito, e que envolve analisar o que se ganha ou o que se perde, e a avaliação sobre qual setor se beneficia ou quais os riscos envolvidos. “Altos funcionários espanhóis, por exemplo, me contaram que eles fizeram isso. De fato, todos os países europeus analisaram profundamente essas possíveis consequências. Calcular o impacto é elementar”, insiste.

 

A lógica do governo anterior de assinar o tratado com a Europa residiu em apresentá-lo como uma grande conquista, divulgá-lo e se alegrar por ter chegado a um resultado após 20 anos de negociações, como disseram. “Para Macri foi melhor um acordo ruim do que um não-acordo. Fala de sua proposta. Também acreditamos que é necessário negociar. Tanto com a Europa quanto com os diferentes polos globais, mas, conhecendo os conteúdos, debatendo-os, permitindo que todos façam seus cálculos e garantindo que nossa soberania e a dos outros sejam plenamente respeitadas”, insiste.

 

Lógica futura

 

No futuro, quais serão os instrumentos diplomáticos latino-americanos para tentar promover uma visão verdadeiramente integradora?, perguntamos como conclusão. Por enquanto não pode ser a Unasul, ressalta Laborde, referindo-se à situação complexa que afeta esse órgão. Nem a OEA (Organização dos Estados Americanos), com seu secretário-geral Luis Almagro, que “demonstrou que só defende os interesses dos Estados Unidos da América em detrimento dos interesses dos latino-americanos e caribenhos”. Nesse contexto, a Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos), que inclui 33 nações (toda a OEA, exceto os Estados Unidos e o Canadá; mas, inclui Cuba), “tem a oportunidade histórica de poder potencializar projetos populares em uma região que, no mundo atual, precisa mais do que nunca se posicionar em conjunto”.

 

(Tradução: Conchita Rosa De Lima)

 

 

Integração latino-americana..., apesar de Bolsonaro

 

Na segunda semana de fevereiro, o conselho de administração do Parlasur, liderado pelo seu novo presidente, Oscar Laborde, se reunirá em Buenos Aires. O novo ministro das Relações Exteriores argentino, Felipe Solá, prometeu sua presença na reunião. No final de dezembro, Solá se reuniu com os membros desse legislativo regional e reiterou que, para o novo governo, esta é uma instância “preponderante”. Essa posição envolve mudanças substanciais. Mais uma vez, os parlamentares regionais são valorizados pelo governo argentino. Durante os quatro anos de mandato de Mauricio Macri, os legisladores do Parlasul e o próprio órgão regional foram virtualmente ignorados. Não dando cumprimento a uma obrigação legal, Macri não incluiu no processo eleitoral de 2019 a eleição de deputados argentinos para o Parlasur. Então, o órgão regional ratificou o mandato dos deputados argentinos que haviam sido eleitos em 25 de outubro de 2015.

 

Oscar Laborde, um dos principais atores na construção das relações regionais argentinas, terá um grande desafio pela frente: garantir o funcionamento e a dinamização do Parlasul. E promover a política de integração do novo governo, radicalmente oposta à não integração regional defendida por seu colega brasileiro Jair Bolsonaro. Como discutia em sua coluna semanal na Cítrica Radio feita na terceira semana de janeiro, Oscar Laborde, um bom analista internacional, lembra a disposição de Alberto Fernández de fortalecer a relação com o México para “não ficar isolado... nem aprisionado em uma controvérsia sul-americana com o Brasil”.

 

Em uma análise publicada no Cohete a la Luna, Laborde reivindicava a importância de Celac como um marco “natural da associação continental”. A decisão do Brasil, em meados de janeiro deste ano, de suspender sua participação na Celac, criada em 2010, composta por 33 nações e presidida a partir de 2020 pelo México, “é uma forma de boicotar” qualquer coisa que possa significar uma política continental integradora e soberana, concluiu Laborde. (Sergio Ferrari).

https://www.alainet.org/pt/articulo/204617

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