A única força capaz de resistir aos mercados

05/02/2014
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A desordem financeira global não cederá tão cedo, nem tão facilmente, avisam os solavancos recorrentes das bolsas mundiais e a volatilidade dos mercados de câmbio.

Dia sim, dia não, sirenes alertam para as intempéries de uma transição em curso: é só o começo.

Quando os EUA elevarem a taxa de juro (hoje negativa) o sacolejo pode piorar com congestionada migração de capitais ao bunker de origem. É o vaticínio do jogral que nunca desafina.

A precificação desse futuro  inspira cautela mas não pode significar imobilismo.

O cerco pela adoção da vacina ortodoxa é cada vez mais asfixiante.

Entende-se por isso prevenir a fuga de capitais, e a retração dos investidores, entregando por antecipação o que eles cobram: novas altas nos juros e cortes robustos no gasto fiscal.

O conjunto  precipitaria a emergência de uma economia entrevada em desemprego e recessão que se pretende evitar.

Capitais viciados na alfafa suculenta da arbitragem de juros, e na aveia fina da volatilidade das moedas, cobram rapidez na liberação de novos piquetes.

Nações estremecem; o bucho protuberante do rentismo estica e brilha: grandes bancos quadruplicaram seu lucro na Espanha no ano passado; os suicídios bateram recorde no país, com alta de 11%.

O Brasil iniciou uma ziguezagueante correção da taxa de câmbio em 2012.

A desvalorização acumulada  do Real é superior a 17%.

A meta do governo é equilibrar a paridade em R$ 2,45 (bateu em R$ 2,43 nesta 3ª feira).

Busca-se superar uma valorização que esfolava a indústria e golpeava o comércio exterior do país.

 O déficit de US$ 4 bi em janeiro  foi fortemente pressionado pela importação de bens de consumo, cujo similar nacional  foi preterido pelo diferencial do preço.

A taxa de juro brasileira já é a 3ª mais alta do mundo (superior a 4% em termos reais)

Nada disso adianta e não adiantará, assegura a emissão conservadora.

Mesmo abrigado em um lacre de reservas equivalente a 13 meses de importações, a julgar pela vontade do mercadismo,  o país  deveria  cumprir a penitência prescrita a outras praças infinitamente mais fragilizadas.

Os paladinos do capitalismo pró-cíclico, a exemplo de Edmar Bacha, formulador tucano e assessor especial de Aécio Neves, tem a receita na ponta da língua.

A depender deles, o Brasil  iniciaria desde já um tratamento  feito de intermináveis doses de ajustes e arrochos recessivos, com a revogação maciça de tarifas protecionistas e alta sideral dos juros.

 O país que sobrar disso poderá estacionar a carcaça no cemitério da paz salazarista que hoje abriga  os metabolismos exauridos de Portugal, Espanha e assemelhados.

É o que os mercados podem fazer pelo Brasil.

E o farão, se não forem contidos.

O fatalismo do receituário conservador exprime uma tendência mais geral de um capitalismo que, deixado à própria sorte, mais que nunca vai operar em condições de baixa demanda efetiva, elevado desemprego e especulação solta na esfera financeira (leia a análise de Michael Roberts; nesta pág; bem como a entrevista de Marcelo Justo com chefe de investigação do Conselho Europeu de Relações Exteriores, Hans Kundnani, e a nota neste blog ‘Obama: o mercado vai bem, o povo vai mal’).

Se quiser resistir ao rodo nivelador, o Brasil terá que calibrar os ajustes que precisam ser feitos –como o do câmbio e a maior ênfase no investimento--   a contrapelo dos automatismos de mercado.

Só existe uma força capaz de fazer frente a eles: a política.

A política contribuiu de maneira inestimável para o modo como essa lógica se impôs.

Só ela poderá reverter a brutal agonia da decadência atual.

A espoleta da maior crise do capitalismo desde 1929 foi o recuo desastroso do controle da Democracia sobre o poder do Dinheiro. Seu vetor, o desmonte das travas regulatórias do sistema bancário consolidado no pós-guerra.

Recuos e derrotas acumulados pela esquerda mundial desde os anos 70, sobretudo a colonização de suas referências pelos valores neoliberais, alargaram os vertedouros para o espraiamento da dominância financeira atual.

A queda do Muro de Berlim em novembro de 1989 simbolizou a supremacia de uma ordem regressiva que agora vive a sua fase crepuscular.

A sociedade que cedeu a soberania ao suposto poder autorregulador dos mercados perdeu a capacidade institucional de gerar antídotos às degenerações intrínsecas a essa renúncia.

A democracia terá que se reinventar para que tal possibilidade se recoloque no horizonte da ação política.

Não é uma agenda protelatória à espera de um alvorecer redentor.

É um imperativo à negociação política do passo seguinte do desenvolvimento brasileiro.

 Caminhar  em busca desse ponto de mutação requer, ademais do discernimento do governo, a prontidão das forças sociais para trilhar o caminho.

Faz parte do trajeto  um salto na compreensão das interações perversas que subordinam o emprego, o salário e a própria sobrevivência operária à corrosão industrial em marcha batida na economia.

Juros altos e cambio flutuante  transformaram-se em armadilha contra a produção e o emprego.

A valorização cambial nos últimos anos  beneficiou o poder de compra dos salários.
 
Mas o crescimento desbragado das importações vazou a demanda para a China e transferiu vagas para a Ásia.

Retificar o curso dessa sangria tem um preço.

Se o ajuste for feito via mercado, será descarregado integralmente no bolso do assalariado.

Num processo de repactuação política , ônus, bônus e prazos serão ordenados pela correlação de forças em movimento –que terão nas eleições de outubro um de seus moduladores.

Uma certeza emerge das tensões e impasses refletidos nos indicadores econômicos: o capitalismo aceita tudo.

Menos a violação do seu impulso vital imiscível, como água e óleo, com ideais de harmonia e estabilidade.

Não é a necessidade que comanda a produção. É o oposto.

É nesse percurso avesso a convergências sociais que regurgitam as bolhas constitutivas de uma crise permanente de  superprodução --de capitais fictícios e não de mercadorias.

Desmontar essa usina efervescente, repita-se,  não é obra técnica para os mercados.

Ela tampouco será revertida em um só país e delimita a correlação de forças em cada um deles.

Mas há mais a ser feito do que simplesmente sancionar a fatalidade ortodoxa.

O que há para ser feito é romper a caixa preta do economicismo  com uma repactuação progressista do desenvolvimento brasileiro.

A premência desse mutirão político soou a sua hora e a eleição de outubro se oferece como seu catalisador  no país.

A ver.
 
https://www.alainet.org/pt/articulo/82927?language=es
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