Polarização Partidária
06/10/2004
- Opinión
1. Quando a bipolarização consolida o pragmatismo gerencial na
política nacional
Os resultados das eleições municipais de 03 de outubro revelam
que o Brasil deu mais um passo para a cristalização de um
sistema partidário centrado em dois partidos. Uma polarização
dominante, ainda que não consolidada, entre PT e PSDB. É algo
impressionante para um país que até pouco tempo vivia sob as
sombras de um regime militar. São dois partidos social-
democratas, que a imprensa insiste em traduzi-los como sendo de
"centro-esquerda ou esquerda", numa imprecisão conceitual que
denuncia a baixa formação teórica dos nossos jornalistas. Nas
26 capitais e nos municípios com mais de 200 mil habitantes (que
congregam 42 milhões de eleitores ou 35% do total de eleitores
do país), PT e PSDB destacam-se totalizando algo ao redor de 60%
dos votos. O terceiro partido é o PMDB e o quarto é o PFL. Na
reta final (mais precisamente: na semana que antecedeu as
eleições), os candidatos petistas revelaram um crescimento
surpreendente, que pode ser explicado pelo grau de
profissionalismo com que este partido encarou esta disputa
municipal. PT e PSDB se interiorizaram, também, ocupando parte
do espaço que era cativo de lideranças do PMDB e PFL.
O mais importante, contudo, não é o indicador estatístico. O
mais importante é que PT e PSDB monopolizam a pauta político-
partidária e os projetos e estratégias nacionais. Todos os
outros partidos gravitam ao redor da disputa entre petistas e
tucanos e não conseguem nem mesmo criar uma agenda alternativa.
Uma ou outra agremiação procurou inserir a pauta liberal de
diminuição drástica dos tributos, mas não conseguiram superar a
curiosidade da imprensa, tornando-a marginal. Assim, a condução
da política econômica, a forma de gerenciamento de políticas
públicas e a agenda para as políticas sociais são claramente
definidas pelos dois partidos hegemônicos. Entre os dois
partidos, parece evidente que "o modo petista de governar" foi o
que sofreu maior aggiornamento de 1998 para cá, o que
eqüivaleria afirmar que ocorreu, recentemente, uma convergência
programática entre petistas e tucanos, consolidando um forte
pragmatismo gerencial na política nacional, focado na
estabilidade monetária e fiscal. Antes, o modelo petista
orientava-se pela "inversão de prioridades" (maiores
investimentos em áreas e populações menos abastadas) e
empoderamento social (aumento da participação do cidadão no
processo decisório de condução das políticas públicas).
O pragmatismo gerencial do momento torna-se extremamente técnico
e desqualifica, em parte, o modo de operação política dos
peemedebistas e peefelistas, mais afeitos à dinâmica
tradicional, marcada pela fidelidade e pelos acordos e
habilidades políticas de suas lideranças. Aqui repousa as bases
para a cristalização da polarização do sistema parditário
brasileiro.
2. Quando a bipolarização desloca a disputa para o marketing
pessoal
Um sistema partidário bipolar, mesmo quando não consolidado
(como é o caso brasileiro), gera dois movimentos que se
contradizem. Um primeiro movimento é o de conflito aberto. Há
uma tendência declarada em busca da maior identidade com o
eleitorado e desqualificação do adversário direto.
Mas há um segundo movimento de aproximação programática. Aliás,
é o que ocorre nos EUA. Como a disputa passa a ser muito
acirrada e o campo de competição se estreita em dois partidos, o
risco de perda de um para o outro é muito alto. Um pequeno
deslize de um é contabilizado em dobro para o outro. É o mesmo
quando dois times de futebol disputam uma mesma posição no
campeonato: quando os dois jogam entre si, a vitória de um conta
"em dobro", porque o outro perdeu seus pontos e concedeu ainda
outros para seu adversário direto. Como o risco é alto, é comum
que os dois times joguem de forma similar. Em outras palavras,
os dois partidos tendem a se arriscar menos, o que significa
inovar menos e trabalhar mais as diferenças pessoais que as
programáticas. Não por outro motivo, os jornais norte-americanos
diziam que Clinton era o democrata mais republicano da história
dos EUA. E o que dizer da atual disputa nos EUA? Talvez,
possamos dizer que vários candidatos petistas nunca foram tão
tucanos como nessas eleições, e vice-versa. É a velha máxima que
diz que os contrários se atraem. Às vezes, se atraem, fingindo
que se repelem.
Assim, devemos nos preparar para a diminuição do papel da
militância partidária na definição das decisões e disputas
eleitorais no Brasil. Os quadros profissionais, da máquina
partidária e do marketing político, serão figuras proeminentes
(ou quase exclusivas) do cenário político do país. As eleições
municipais deste ano já indicaram este futuro e, neste quesito,
os petistas saíram à frente. Os dirigentes petistas das
campanhas eleitorais definidas como prioritárias relatam que
várias peças publicitárias, discursos e posturas de candidatos
eram decididas na véspera, à luz de pesquisas qualitativas
realizadas diariamente. A imprensa relatou a substituição da
militância petista por profissionais treinados e uniformizados
que visitaram por mais de uma vez a residência de eleitores,
esquadrinhados por bairro. Todas informações eram sobre
preferência eleitoral percebida pelos "profissionais da eleição"
eram classificadas e definiam o próximo passo na abordagem dos
eleitores de cada território municipal. Os salários de gerentes
e "profissionais-visitadores" desta eleição variaram entre 300 e
800 reais, podendo superar um pouco esta margem, dependendo da
capital. Em termos do programa de campanha, muitos candidatos
petistas abandonaram as proposições mais ousadas e tradicionais.
O caso mais evidente foi o de Belo Horizonte, onde o candidato
vitorioso no primeiro turno (a vitória mais espetacular do PT
neste dia 3 de outubro), que criticou abertamente vários
elementos centrais da reforma educacional iniciada na gestão
Patrus Ananias (denominada "Escola Plural") e destacou grandes
obras em detrimento do orçamento participativo.
Em suma, o PT é o principal responsável pela mudança drástica e
significativa do sistema e estrutura partidária por que vem
passando o Brasil. Altera, a partir destas eleições municipais,
o patamar da disputa partidária, elevando o grau de
profissionalização, ao estilo norte-americano. Também é
responsável pela consolidação da bipolarização dominante PT-PSDB
ao se deslocar programaticamente, diminuindo significativamente
os riscos de inovações e mudanças radicais nas políticas
públicas vigentes.
Se esta tendência se fortalecer nas eleições de 2006, as
campanhas serão mais mornas e mais personalizadas a partir de
então, as abordagens mais dirigidas para cada nicho de eleitores
e os partidos caminharão para seu "empresariamento", sendo mais
e mais conduzidos por técnicos experimentados. Estaremos, neste
caso, vivendo o limiar da americanização da política brasileira.
* Rudá Ricci é sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, Professor
da PUC-Minas e do Mestrado em Educação da UNINCOR.
https://www.alainet.org/es/node/110691
Del mismo autor
- O desencontro da notícia com a grande imprensa 19/12/2010
- Movimentos sociais numa gestão Dilma ou Serra 07/04/2010
- Política na América Latina ou “a verdade que não pode ser dita” 16/03/2008
- Para que um terceiro mandato? 19/11/2007
- Lulismo: três discursos e um estilo 22/12/2004
- Polarização Partidária 06/10/2004