Resistência realiza assembléia histórica
11/03/2011
- Opinión
Frente Nacional de Resistência Popular decidiu não participar de procesos eleitorais até que haja condições apropriadas
Cerca de 2500 hondurenhos em resistência, de todas as partes do país, reuniram-se na Assembleia de Delegados e Delegadas da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP) “Mártires campesinos de Aguán”, na capital Tegucigalpa, entre os dias 26 e 27 de fevereiro. Apesar da grande diversidade de organizações e opiniões que integram a FNRP, uma posição foi consenso entre os delgados: é preciso refundar Honduras e derrotar o atual governo que tomou o poder a partir de um golpe civil-militar, em 2009.
O evento foi considerado pelo presidente deposto Manuel Zelaya como o mais importante da história política hondurenha, desde a formação dos partidos políticos tradicionais. O grande debate de fundo que se instalou na assembléia era de fato decisivo para o rumo desta nação centro-americano. Os delegados organizados por departamentos (unidade geográfica de Honduras) discutiram, entre outros assuntos, sobre qual a melhor forma de construir e chegar ao poder - se pela via eleitoral, cujo processo se dará em 2013, ou se pela via insurrecional.
O debate sobre este tema, no entanto, iniciou-se desde dezembro de 2010, quando ocorreram as assembléias municipais e departamentais preparatórias. Nestes espaços elegeram-se os delegados e suplentes que iriam à Assembleia Nacional e elaborou-se uma posição política sobre o tema, consultando à população das regiões. Após um tenso debate, a grande maioria dos departamentos decidiu, então, que neste momento a FNRP não tem condições de tornar-se um partido eleitoral e participar do pleito em 2013.
Esta também é a posição de Manuel Zelaya. Em carta enviada à Assembléia, alertou: “não devemos repetir a mesma história dos velhos partidos "emergentes", que assumiram as práticas viciosas dos partidos tradicionais, e terminaram atuando pior que eles. O mesmo poderia ocorrer se aceitarmos, sem refletir, entrar no âmbito eleitoral agora”.
Na eleição que elegeu o atual mandatário, Pepe Lobo, em 2009, este debate também estava latente. A FNRP cogitou criar uma candidatura, mas voltou atrás e protagonizou um expressivo boicote às eleições presidenciais, prontamente abafado pelo regime golpista. Agora, ficou definido que a resistência só vai participar das eleições quando houver as condições necessárias. São elas, o retorno ao país de Manuel Zelaya e de todos os exilados, a convocatória de uma Assembleia Nacional Constituinte, uma reforma da lei eleitoral e mudanças no Tribunal Superior Eleitoral.
Para Carlos Reyes, líder de um dos principais sindicatos da resistência, o Stibys (Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Bebidas e Similares), ir às eleições só fortaleceria o golpe. “Em Honduras, como não voltou a ordem constitucional e como os gringos nos impuseram eleições fraudulentas para legitimar o golpe, a posição da Frente deve seguir a mesma: temos primeiro que fazer uma assembleia nacional constituinte, ter uma nova lei eleitoral e a volta dos exilados antes de falar em processos eleitorais”, concluiu. Berta Cárceres, do COPINH (Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras), considerou o acordo firmado na Assembléia de não participar do processo eleitoral como uma derrota da embaixada americana. “A sabedoria do povo hondurenho foi fantástica ao não entrar no jogo da embaixada americana que quer seguir legitimando o golpe através das eleições.”
Passados 19 meses de exílio, a maior parte dele na República Dominicana, Manuel Zelaya segue sendo a principal referência para os hondurenhos que estão contra o golpe. Durante a Assembléia o ex-presidente esteve representado pelos cartazes com sua foto, por seu boneco em tamanho real e por gritos de “urge Mel”, como o chamam carinhosamente. Apesar de sua ausência física, foi ratificado, por unanimidade, como coordenador-geral da FNRP. Xiomara Castro, esposa de Zelaya, participou da Assembléia como delegada dos povos indígenas Lenca e foi recebida com muita euforia pelos participantes.
Os próximos passos da resistência
A principal agenda unitária de luta acordada durante a assembleia é a auto convocatória de uma Assembleia Nacional Constituinte tendo como respaldo as 1 milhão e 300 mil assinaturas coletadas no ano passado, num país com cerca de 8 milhões de pessoas. “O que temos que fazer agora é apostar na auto convocatória da Assembleia Constituinte. Vai ser um trabalho pedagógico, politico, cultural e vai romper com as formas hegemônicas que ainda temos em nossos processos”, afirmou Berta Cárceres. A auto-convocatória foi marcada para 28 de junho, quando se completa dois anos do golpe.
Carlos Reyes explica que esta será uma Assembleia Constituinte a partir das bases. “Em outros países fizeram a assembleia através do governo, mas porque tinham governos constitucionais, o que não é o caso de Honduras. Aqui, não só temos um regime inconstitucional, mas também um Estado falido. Não há leis, o império faz o que quer. Além disso, a Assembleia iré servir para mobilizar, organizar, politizar, para que a população perceba quem é soberano, se os povos ou as transnacionais”.
Também ficou acordado que a FNRP irá convocar uma grande paralização nacional para exigir o retorno de José Manuel Zelaya e de todos os exilados políticos.
Repressão aos camponeses da região de Aguán
Na diversidade de organizações que compoem a FNRP, existem representantações de indígenas, garífunas, mulheres, gays, operários, artistas, profesores, etc. Todos esses setores sofrem uma grande repressão desde o golpe civil-militar. Durante a Assembleia foi prestada uma homenagem aos cerca de 100 militantes assassinados durante este período. No entanto, chama a atenção a grande represão que se exerce sobre os camponeses da região do Aguán. Não por acaso, a assembleia levou o nome de Mártires Campesinos de Aguan, em homenagem aos mortos daquela região que já somam 21. Já no início da Assembléia informou-se que o campones Matias Valle foi detido e preso quando estava a caminho de Tegucigalpa. Vários militantes da região relataram ameaças de morte.
Há muitos conflitos de terra em Aguán, principalmente por conta dos grandes latifundiários apoiadores do golpe Miguel Facussé, René Morais e Reinaldo Canales considerados “os donos do país”. Segundo Juan Chinchilla, do Movimento Unificado Camponês do Aguán (MUCA),a região está mais militarizada do que nunca e há muitos despejos, assassinatos e gente desaparecida. Chinchilla foi sequestrado e torturado por jagunços, no ano passado, mas conseguiu escapar.
Exilados econônimos nos EUA
São tantos os hondurenhos que migram para os Estados Unidos que a Frente Nacional de Resistência Popular reconhece mais um departamento além dos 18 oficiais. O departamento 19 é formado por todos aqueles que vivem fora do país e estão em resistência. Segundo Lucy Quesada, coordenadora deste departamento, residente em Nova Iorque, cerca de 1 milhão de hondurenhos vivem naquele país e, com a crise econômica agudizada pelo golpe de estado, estima-se que 400 deixam do país todos os dias. “Estes imigrantes são exilados econômicos. Através da refundação de Honduras, através da FNRP, queremos ter um país com mais igualdade e oportunidade. Queremos nos libertar da escravidão que o sistema capitalista nos impõe”, afirmou a coordenadora.
Cerca de 2500 hondurenhos em resistência, de todas as partes do país, reuniram-se na Assembleia de Delegados e Delegadas da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP) “Mártires campesinos de Aguán”, na capital Tegucigalpa, entre os dias 26 e 27 de fevereiro. Apesar da grande diversidade de organizações e opiniões que integram a FNRP, uma posição foi consenso entre os delgados: é preciso refundar Honduras e derrotar o atual governo que tomou o poder a partir de um golpe civil-militar, em 2009.
O evento foi considerado pelo presidente deposto Manuel Zelaya como o mais importante da história política hondurenha, desde a formação dos partidos políticos tradicionais. O grande debate de fundo que se instalou na assembléia era de fato decisivo para o rumo desta nação centro-americano. Os delegados organizados por departamentos (unidade geográfica de Honduras) discutiram, entre outros assuntos, sobre qual a melhor forma de construir e chegar ao poder - se pela via eleitoral, cujo processo se dará em 2013, ou se pela via insurrecional.
O debate sobre este tema, no entanto, iniciou-se desde dezembro de 2010, quando ocorreram as assembléias municipais e departamentais preparatórias. Nestes espaços elegeram-se os delegados e suplentes que iriam à Assembleia Nacional e elaborou-se uma posição política sobre o tema, consultando à população das regiões. Após um tenso debate, a grande maioria dos departamentos decidiu, então, que neste momento a FNRP não tem condições de tornar-se um partido eleitoral e participar do pleito em 2013.
Esta também é a posição de Manuel Zelaya. Em carta enviada à Assembléia, alertou: “não devemos repetir a mesma história dos velhos partidos "emergentes", que assumiram as práticas viciosas dos partidos tradicionais, e terminaram atuando pior que eles. O mesmo poderia ocorrer se aceitarmos, sem refletir, entrar no âmbito eleitoral agora”.
Na eleição que elegeu o atual mandatário, Pepe Lobo, em 2009, este debate também estava latente. A FNRP cogitou criar uma candidatura, mas voltou atrás e protagonizou um expressivo boicote às eleições presidenciais, prontamente abafado pelo regime golpista. Agora, ficou definido que a resistência só vai participar das eleições quando houver as condições necessárias. São elas, o retorno ao país de Manuel Zelaya e de todos os exilados, a convocatória de uma Assembleia Nacional Constituinte, uma reforma da lei eleitoral e mudanças no Tribunal Superior Eleitoral.
Para Carlos Reyes, líder de um dos principais sindicatos da resistência, o Stibys (Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Bebidas e Similares), ir às eleições só fortaleceria o golpe. “Em Honduras, como não voltou a ordem constitucional e como os gringos nos impuseram eleições fraudulentas para legitimar o golpe, a posição da Frente deve seguir a mesma: temos primeiro que fazer uma assembleia nacional constituinte, ter uma nova lei eleitoral e a volta dos exilados antes de falar em processos eleitorais”, concluiu. Berta Cárceres, do COPINH (Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras), considerou o acordo firmado na Assembléia de não participar do processo eleitoral como uma derrota da embaixada americana. “A sabedoria do povo hondurenho foi fantástica ao não entrar no jogo da embaixada americana que quer seguir legitimando o golpe através das eleições.”
Passados 19 meses de exílio, a maior parte dele na República Dominicana, Manuel Zelaya segue sendo a principal referência para os hondurenhos que estão contra o golpe. Durante a Assembléia o ex-presidente esteve representado pelos cartazes com sua foto, por seu boneco em tamanho real e por gritos de “urge Mel”, como o chamam carinhosamente. Apesar de sua ausência física, foi ratificado, por unanimidade, como coordenador-geral da FNRP. Xiomara Castro, esposa de Zelaya, participou da Assembléia como delegada dos povos indígenas Lenca e foi recebida com muita euforia pelos participantes.
Os próximos passos da resistência
A principal agenda unitária de luta acordada durante a assembleia é a auto convocatória de uma Assembleia Nacional Constituinte tendo como respaldo as 1 milhão e 300 mil assinaturas coletadas no ano passado, num país com cerca de 8 milhões de pessoas. “O que temos que fazer agora é apostar na auto convocatória da Assembleia Constituinte. Vai ser um trabalho pedagógico, politico, cultural e vai romper com as formas hegemônicas que ainda temos em nossos processos”, afirmou Berta Cárceres. A auto-convocatória foi marcada para 28 de junho, quando se completa dois anos do golpe.
Carlos Reyes explica que esta será uma Assembleia Constituinte a partir das bases. “Em outros países fizeram a assembleia através do governo, mas porque tinham governos constitucionais, o que não é o caso de Honduras. Aqui, não só temos um regime inconstitucional, mas também um Estado falido. Não há leis, o império faz o que quer. Além disso, a Assembleia iré servir para mobilizar, organizar, politizar, para que a população perceba quem é soberano, se os povos ou as transnacionais”.
Também ficou acordado que a FNRP irá convocar uma grande paralização nacional para exigir o retorno de José Manuel Zelaya e de todos os exilados políticos.
Repressão aos camponeses da região de Aguán
Na diversidade de organizações que compoem a FNRP, existem representantações de indígenas, garífunas, mulheres, gays, operários, artistas, profesores, etc. Todos esses setores sofrem uma grande repressão desde o golpe civil-militar. Durante a Assembleia foi prestada uma homenagem aos cerca de 100 militantes assassinados durante este período. No entanto, chama a atenção a grande represão que se exerce sobre os camponeses da região do Aguán. Não por acaso, a assembleia levou o nome de Mártires Campesinos de Aguan, em homenagem aos mortos daquela região que já somam 21. Já no início da Assembléia informou-se que o campones Matias Valle foi detido e preso quando estava a caminho de Tegucigalpa. Vários militantes da região relataram ameaças de morte.
Há muitos conflitos de terra em Aguán, principalmente por conta dos grandes latifundiários apoiadores do golpe Miguel Facussé, René Morais e Reinaldo Canales considerados “os donos do país”. Segundo Juan Chinchilla, do Movimento Unificado Camponês do Aguán (MUCA),a região está mais militarizada do que nunca e há muitos despejos, assassinatos e gente desaparecida. Chinchilla foi sequestrado e torturado por jagunços, no ano passado, mas conseguiu escapar.
Exilados econônimos nos EUA
São tantos os hondurenhos que migram para os Estados Unidos que a Frente Nacional de Resistência Popular reconhece mais um departamento além dos 18 oficiais. O departamento 19 é formado por todos aqueles que vivem fora do país e estão em resistência. Segundo Lucy Quesada, coordenadora deste departamento, residente em Nova Iorque, cerca de 1 milhão de hondurenhos vivem naquele país e, com a crise econômica agudizada pelo golpe de estado, estima-se que 400 deixam do país todos os dias. “Estes imigrantes são exilados econômicos. Através da refundação de Honduras, através da FNRP, queremos ter um país com mais igualdade e oportunidade. Queremos nos libertar da escravidão que o sistema capitalista nos impõe”, afirmou a coordenadora.
- Pilar Rodriguez éCorrespondente em Tegucigalpa (Honduras)
* Matéria publicada no Jornal Brasil de Fato, edição 419 de 10 a 16 de março de 2011
* Matéria publicada no Jornal Brasil de Fato, edição 419 de 10 a 16 de março de 2011
* fotos em http://www.flickr.com/photos/felipecanova
https://www.alainet.org/pt/active/44996
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