Vende-se um país
- Opinión
Nos dias 5 e 6 de maio, o clima era aparentemente de festa em Honduras. Todos os meios de comunicação publicizavam exaustivamente o Fórum Internacional Honduras is Open for Business (Honduras está aberta aos negócios) e anunciavam o “relançamento” da nação centro-americana “como o mais atrativo destino para o investimento na América Latina”.
“Nós, hondurenhos, que adoramos nosso país, estamos sumamente de acordo com esse evento, senhor chanceler Mario Canahuati. Quando terá a segunda edição?”, perguntou o repórter da HRN, uma das principais emissoras de rádio do país, durante a coletiva de imprensa de encerramento. Enquanto a grande mídia fazia coro ao colega, o cinegrafista da Globo TV, destacado para cobrir os protestos que aconteciam do lado de fora, era violentamente agredido por policiais e foi hospitalizado em estado de inconsciência. A emissora foi um dos poucos meios do país que não aderiu ao golpe de Estado contra o então presidente Manuel Zelaya, em 28 de junho de 2009.
“Produtos”
Os bens naturais desse país centro-americano de localização geográfica estratégica foram oferecidos a 1.400 investidores vindos de 55 países, entre eles o empresário mexicano Carlos Slim, considerado pela revista Forbes o homem mais rico do mundo. Os 154 projetos consolidados, à espera somente de investimento privado, custam cerca de 15 bilhões de dólares, montante aproximado ao PIB do país em 2010, que foi de 16,288 milhões de dólares. Entre os projetos, estão a construção de grandes hidrelétricas e rodovias; a expansão do Porto Cortés, com o objetivo de torná-lo o terceiro maior do mundo; complexos turísticos; e produção de agrocombustível através da palma africana (equivalente ao dendê).
Em artigo publicado no sítio da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP), o economista e dirigente sindical, Carlos H. Reyes, afirmou que o desenvolvimento de Honduras não depende dos negócios. Reyes relata que em 1924 os Estados Unidos, ao invadirem Honduras e imporem uma ditadura, apoderaram-se de quase toda a produção bananeira do país. “Em todos esses anos de liberalismo, nos disseram que o investimento estrangeiro direto nos levaria ao desenvolvimento e sairíamos do atraso e da dependência. Mas não foi assim”, escreveu.
Desigualdade
De fato, uma visita ao país revela o verdadeiro grau de desenvolvimento desencadeado pelo modelo neoliberal agudizado depois do golpe de Estado. Complexos turísticos no litoral contrastam com a miséria e a fome no interior. Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), os 10% mais ricos da população concentram 42% da renda nacional, enquanto que os 10% mais pobres, somente 0,9%.
No campo é onde a população está mais vulnerável: de acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), em Honduras existem mais de quatro milhões de camponeses, indígenas e afrodescendentes. Desses, mais de dois milhões vivem em extrema pobreza. A situação está se agravando com a crescente alta do preço do combustível e o consequente aumento da cesta básica.
Carlos Reyes explica que um dos fatores que levaram ao golpe de Estado foi justamente o fato de o presidente deposto ter adotado medidas que frearam algumas concessões a empresas estrangeiras.“Quando um governo quis nos tirar desse esquema e deu passos iniciais para buscar a integração natural e histórica com os países do sul, o império deu um novo golpe de Estado, montou mais duas bases militares e instalou um exército de ocupação, apoderando-se praticamente de Honduras”.
Seca de recursos
Ao contrário de Manuel Zelaya, o atual mandatário, Porfirio Lobo Sosa – eleito em novembro do mesmo ano em um pleito organizado pelos golpistas e considerado fraudulento –, tenta de todas as maneiras atrair investimento estrangeiro para a região. Depois do golpe de Estado, o país foi expulso, por unanimidade, da Organização dos Estados Americanos (OEA), o que impediu o acesso a alguns empréstimos e doações internacionais. Além disso, a crise política interna e as denúncias de violações de direitos humanos afastaram alguns credores.
O Banco Alemão DEG (Associação para Investimentos e Desenvolvimento), por exemplo, suspendeu crédito de 20 milhões de dólares para a Corporação Dinant, empresa do hondurenho Miguel Facussé, alegando preocupação com os conflitos agrários da região do Baixo Aguán. Facussé é o principal implantador do monocultivo de palma africana nessa região.
Segundo dados do Banco Central Hondurenho, o fluxo de investimento estrangeiro caiu pela metade depois do golpe. Em 2008, a cifra chegava a 1 bilhão de dólares; em 2009, foi de somente 523 milhões de dólares. Outro dado que comprova a crise financeira é o aumento da dívida externa. Em 2008, ela era de 160 milhões de dólares; dois anos depois, alcançou os 700 milhões. Atualmente, o principal ingresso econômico do país são as remessas de hondurenhos que vivem nos Estados Unidos. De janeiro a março de 2011, elas atingiram 650 milhões de dólares.
Abertura
Acossado por tal realidade, poucos dias antes do evento Honduras is Open for Business, o Congresso Nacional aprovou a “Lei de Proteção e Promoção de Investimento”, que inclui pontos como a flexibilização laboral e a intervenção estrangeira no sistema jurídico nacional. Não só. O governo aprovou reformas na Constituição que, segundo o atual presidente, “modernizam o Estado hondurenho” afim de permitir a construção de Regiões Especiais de Desenvolvimento, também conhecidas como Cidades Modelo. “Assaltaram o Estado para assegurar o benefício e a realização do capital estrangeiro. Para eles, pouco importa se para isso é preciso violar direitos humanos e cometer delitos inconstitucionais contra a nação”, enfatizou Carlos Reyes. “Essas leis desregulam o mercado laboral, deixam nulo o Código do Trabalho e atentam contra os convênios da Organização Internacional do Trabalho”, completou.
As cidades modelos são regiões autônomas, ou seja, terrenos onde vigoram leis independentes da legislação oficial do país, permitindo uma flexibilização para o investimento privado. As críticas a esse tipo de projeto dizem que isso significaria uma grande perda de soberania. Hong Kong é o exemplo mais famoso desse tipo de cidade, sendo uma das economias mais liberais do mundo. Segundo o governo, nessas regiões circularão o lempira (moeda hondurenha), o dólar e o euro.
Honduras “emprestada”
Enquanto os empresários participavam de “rodas de negócio” e de visitas ao porto e ao parque industriais de San Pedro Sula, a capital econômica do país centro-americano, centenas de pessoas organizadas na Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP) protestavam a poucas quadras do Fórum Internacional Honduras is Open for Business contra o que chamavam de “venda de Honduras”.
O evento, denunciou Salvador Zuñiga, dirigente do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas (Copinh), “é parte da estratégia da venda de Honduras. Por meio dela, pretende-se oferecer a água, a terra, a floresta, os minerais, a propriedade intelectual dos povos indígenas e a beleza de nossas paisagens às transnacionais, fundamentalmente aos grandes oligarcas. Em uma vitrine, estão oferecendo o país à empresas estrangeiras que cometem violações aos direitos humanos e ao direito do trabalhador”.
Como vem acontecendo nos últimos protestos da resistência hondurenha, um forte contingente policial e militar reprimiu a manifestação com gás lacrimogêneo, agressão física direta e até disparos de arma de fogo. No primeiro dia de manifestação, oito militantes foram detidos, entre eles, um menor.
Disputa no campo
Ao responder às críticas, o ministro de Relações Exteriores e principal empresário da indústria de confecção do país, Mario Canahuati, afirmou que Honduras não está à venda, e sim emprestada. “Nossa Honduras pode ser emprestada por certo tempo, para benefício de nossa gente. Os projetos, ao final, permitirão, através de investimento privado, fomentar ou estimular projetos que são sumamente necessários para desenvolver a infraestrutura, o turismo e o agronegócio. Este último, particularmente, vai ajudar os pequenos produtores”, afirmou.
No entanto, dias antes do Honduras is Open for Business, a Via Campesina do país entregou uma proposta de Lei de Transformação Agrária que, segundo o coordenador dessa entidade, Rafael Alegría, é justamente uma resposta das organizações camponesas ao agronegócio, protegido pela Lei de Modernização Agrícola, em vigor desde 1990. Segundo as organizações do campo, essa lei freou a reforma agrária que estava em curso na época e fomentou a abertura do livre mercado, afetando os pequenos produtores e aumentando a pobreza a nível nacional. (PR)
Fé no investimento privado
Ao mesmo tempo que atrai investimento privado ao país, o atual mandatário hondurenho, Porfirio Lobo Sosa, tenta consolidar um bloco de direita na América Latina que apoie o golpe de Estado de junho de 2009 e defenda o regresso de Honduras à Organização dos Estados Americanos (OEA), organismo da qual foi expulsa logo depois da deposição do então presidente Manuel Zelaya.
Não por acaso, o evento Honduras is Open for Business contou com a presença do ex-presidente da Colômbia e grande ideólogo do neoliberalismo Álvaro Uribe. Em seu discurso, ele defendeu o investimento privado e atacou o governo da Venezuela. “Alegra-me muito o que está ocorrendo em Honduras. Enquanto outros países da região estão nisso que chamam de 'novo socialismo', aqui estão fazendo um voto de fé no investimento privado para resolver a pobreza e construir equidade. Qual socialismo triunfou? Nenhum! Me dizem que o governo da Venezuela faz grandes programas em matéria social. Minha pergunta é: são sustentáveis? Sem investimento privado é impossível sustentar este tipo de política”.
Semanas antes do evento, Porfírio Lobo Sosa procurou o presidente venezuelano Hugo Chávez para servir de mediador num processo de reconciliação política das forças políticas de Honduras. Além disso, empresários hondurenhos exigiram a volta do país ao convênio do Petrocaribe, que proporcionava petróleo a baixos custos. A crise política, a pobreza e a alta do petróleo já não se sustentam mais. (PR)
- Pilar Rodríguez de San Pedro Sula (Honduras), Jornal Brasil de Fato, edição 428, de 12 a 18 de maio
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