Venezuela inicia desocupação da maior favela vertical do mundo
22/07/2014
- Opinión
Mais de mil famílias moram no edifício em Caracas, ocupado há cerca de sete anos
A “Torre de David”, edifício da capital venezuelana considerado como a maior favela vertical do mundo, começou a ser desocupado. Na noite desta segunda-feira (21/07) teve início a mobilização para o translado de 77 das mais de mil famílias que habitam o complexo, idealizado inicialmente como um edifício financeiro.
“Ninguém dormiu essa noite”, disse a Opera Mundi uma das moradoras, que ainda não sabe quando terá que sair de sua casa. “Gosto de lá, têm os vizinhos, já são sete anos morando neste lugar. Será uma mudança difícil”, afirmou, nas redondezas do edifício, reconhecendo, no entanto, problemas vividos na moradia improvisada, como o fornecimento instável de água.
A chamada "Torre de David", cujo nome oficial é Torre Confinanzas, faz parte de um complexo arquitetônico formado por três prédios. Além desta torre principal com 45 andares — 28 dos quais estão ocupados —, há ainda outras duas: um edifício com 20 pisos totalmente habitado e um terceiro prédio com dez andares de estacionamento. A fachada da torre principal, composta em parte por vidros espelhados de escritórios, e parte por remendos de tijolos, reflete a história do edifício, cuja construção foi paralisada em meados dos anos 90, para logo ser invadida em 2007.
Inicialmente, a ocupação se deu em condições precárias, mas logo as obras internas foram sendo incrementadas. Ainda assim, não existem elevadores, e há quem suba mais de duas dezenas de andares a pé. Também há a opção de subir em moto-táxis pelas rampas do edifício, mas muitos moradores não podem pagar frequentemente os bolívares cobrados pela corrida. Moradores contam que antes temiam os episódios de violência que aconteciam no edifício, mas que atualmente a situação está mais controlada.
Um censo determinou que 1.156 famílias estão no local. "Não se trata de um despejo, trata-se de uma operação coordenada em forma harmônica com a comunidade (…) que supõe o translado de umas famílias daqui a outros urbanismos da Gran Misión Vivienda [programa governamental para habitação]”, explicou o ministro para a Transformação de Caracas, Ernesto Villegas.
Segundo ele, a primeira fase da mudança consiste no translado de 160 famílias durante esta semana. Segundo um senhor que vende frutas nas redondezas da torre, a manhã da mudança foi de emoção e alegria. O companheiro com quem conversava, sentado em um banquinho plástico, contradiz a versão: “Ninguém quer ir pra lá”, diz, sobre o distante local ao qual a primeira leva de moradores foi enviada.
Embora a mudança seja a oportunidade para que finalmente vivam em melhores condições, a resistência de alguns moradores se deve ao fato de que a primeira leva receberá apartamentos no município de Cua, a cerca de duas horas do centro de Caracas, quando muitos deles trabalham na capital.
William Gaitán, de 25 anos, também trabalha como vendedor ambulante na zona. Pai de três filhas, mora na Torre da David há seis anos. Conta que chegou ao local quando sua esposa estava grávida, o que dificultava conseguir uma habitação para alugar. Hoje, já acostumado com a região e com o edifício mais organizado, não mostra satisfação com a mudança.
“Minhas três filhas estudam em colégios por aqui, e agora vamos ter que mudá-las de escola. Fora que é difícil sair de um lugar onde você mora há seis anos”, conta. Apesar de lamentar algumas situações como ter que subir 16 andares com bujões de gás, também mostra preocupação pela mudança a um lugar que não conhece, e longe de seu ponto de trabalho.
Ainda diante da incerteza, reconhece ser uma boa notícia a mudança para um apartamento no qual se supõe que haverá melhores condições de habitação. “Disseram que alguns dos apartamentos [concedidos pelo governo] têm três quartos”, comentou. Uma das moradoras menciona, no entanto, que há gente no edifício que não se inscreveu para mudar-se para um dos apartamentos do programa governamental. “O que vai acontecer com eles?”, questiona.
Ao explicar a desocupação, o ministro Villegas citou problemas de seguranças do edifício, que por não ter paredes em alguns trechos, facilitava a ocorrência de acidentes. Com a operação inicial, quatro andares da torre principal serão clausurados.
Ainda não se sabe qual será o destino da torre, que em 2012 chegou a receber um Leão de Ouro da Bienal de Veneza, o prêmio mais importante de arquitetura.
- Luciana Taddeo | Caracas
22/07/2014
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