Réquiem ao PT
17/02/2005
- Opinión
Decididamente , não. Mas o processo de acomodação do PT às exigências da ordem não ocorreu sem fortes embates dentro do partido. Decididos a chegar ao governo a qualquer custo, os atuais dirigentes do partido esmagaram todos os que se colocaram diante de seu caminho. A vitória do pragmatismo desfigurou o partido. As carreiras individuais sobrepuseram-se ao projeto coletivo. A organização do povo, que constituía a essência da vida partidária, foi abandonada, e o PT virou uma simples máquina eleitoral, com todos os vícios da política burguesa.
Essa guinada à direita é ainda mais grave se lembrarmos que o partido foi forjado nas lutas contra a opressão política e a exploração econômica, tornando-se um importante instrumento do povo brasileiro na sua caminhada pela construção de uma sociedade justa e democrática.
Impulsionado por sua aguerrida militância, o PT cresceu e se consolidou como a principal força política do Brasil, tornando-se o grande portador do sentimento anticapitalista que brota das terríveis contradições de uma sociedade em crise permanente. É inaceitável, portanto, que no seu governo não haja o menor vestígio de transformação social.
Seguindo à risca as recomendações do FMI, o governo Lula aprofundou o neoliberalismo, transformando o Brasil num paraíso dos grandes negócios. Sob a consigna "tudo pelo capital, tudo para o capital", aos endinheirados o governo oferece vantagens tangíveis: megasuperávits primários, populismo cambial, juros estratosféricos, arrocho salarial, reforma da Previdência, gigantescos saldos comerciais, Lei de Falências, independência do Banco Central, Prouni, Parceria Público-Privada, liberdade para os transgênicos, cumplicidade com os "contratos espúrios" que sangram o erário e espoliam a população, opção preferencial pelo agrobusiness, reforma trabalhista.
Convertido à filosofia do Banco Mundial, o governo do PT abandonou toda veleidade de combater as desigualdades e eliminar a pobreza. Aderindo à lógica das políticas compensatórias, que atuam sobre os efeitos dos problemas sociais e não sobre as suas causas, contenta-se em minorar, dentro das limitadas possibilidades orçamentárias, o sofrimento do povo. Sob a palavra de ordem "tenham paciência e confiem em mim", aos descamisados Lula faz promessas vãs. Sem qualquer fundamento, ressuscita o "mito do crescimento" -há muito desmascarado por Celso Furtado e Florestan Fernandes. Com uma mão, retira direitos sociais, e, com a outra, distribui fortuitamente as migalhas da arrecadação fiscal, anunciando um punhado de programas sociais esquálidos, mal definidos e desarticulados (Bolsa Família, Fome Zero, Programa de Crédito Fundiário (ex-Banco da Terra), Prouni, Farmácia Popular, etc).
A política externa, apresentada como a frente mais ousada da administração petista, mal dissimula sua subserviência aos cânones da ordem global. Nos fóruns internacionais, Lula faz bravata e cobra coerência neoliberal aos países ricos. Nos bastidores da diplomacia, em troca de um eventual assento no Conselho de Segurança da ONU, negocia o envio de tropas ao Haiti para cumprir o triste papel de gendarme do intervencionismo norte-americano.
A chegada de Lula ao Planalto iniciou o último ato do desmonte. Em nome de uma suposta "razão petista de Estado", começou um vale-tudo: alianças políticas espúrias, massificação das filiações, acordos eleitorais com oligarquias retrógradas e corruptas, campanhas eleitorais milionárias, atropelos ao estatuto do partido, censura e expurgos de parlamentares, cooptação e intimidação dos militantes, absoluta subordinação do partido aos interesses do Planalto. Enfim, o PT completa seus 25 anos vivendo uma grave crise de degeneração política e moral.
A ruptura com a tradição de luta em defesa dos trabalhadores obrigou a direção a sufocar o debate democrático. É inútil continuar lutando nas instâncias do partido. O PT é irrecuperável. O tempo do PT acabou, mas o das transformações sociais não. A retomada das lutas populares é mais necessária do que nunca, pois, ao contrário do que diz a propaganda oficial, nada foi feito para enfrentar os problemas responsáveis pelas mazelas do povo. Na realidade, o Brasil entra na terceira década de estagnação econômica e grave crise social.
Estar livre das amarras do PT é condição necessária para combater o ilusionismo lulista e derrotar a ofensiva neoliberal que acelera o processo de reversão neocolonial e faz avançar a barbárie. Estar fora do PT é condição necessária para começarmos, em franco debate com todas as forças comprometidas com a mudança social, a árdua tarefa de reorganizar a esquerda brasileira.
* Plinio Soares de Arruda Sampaio Jr., 47, doutor em teoria econômica, é professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). É um dos organizadores do manifesto "Momento de Ruptura", que conclama a militância petista a abandonar o partido.
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