Desafios e conquistas do voluntariado
18/06/2001
- Opinión
Ao falar, mais uma vez, em voluntariado, penso na contribuição fundamental
que este tipo de ação pode prestar ao aprimoramento das instituições
democráticas, à construção de uma ponte entre um passado de desigualdades
e um futuro de justiça social e de bem-estar. Ou seja, preservar a
dignidade do homem livre, numa sociedade mais igualitária e com um
horizonte de sentido para nossas ações e decisões.
Cerca de 40 centros de voluntariado, todos criados nos últimos quatro
anos, atuam em todo o Brasil. O desafio é fazer com que assumam um caráter
de permanência aliado a uma sólida base estrutural.
Por isso, é importante enfatizar a responsabilidade social, tanto de
cidadãos quanto de empresas, mediante a doação de bens, recursos, talentos
e tempo de trabalho.
A consciência da necessidade do exercício da cidadania, materializado no
voluntariado, resulta das transformações sociais, econômicas, políticas e
culturais ocorridas ao longo das últimas duas décadas, quando o Brasil se
converteu numa sociedade mais aberta, pluralista, democrática e, ao mesmo
tempo, mais complexa.
Antes dessas transformações, o que se tinha como voluntariado era tão
somente uma postura meramente caritativa ou assistencialista. Uma
atividade que os cientistas sociais costumam chamar de "filantropia
senhorial". Por trás daquela postura caritativa sempre esteve presente a
idéia de que a responsabilidade pela "questão social" seria, acima de
tudo, uma obrigação exclusiva do Estado.
Hoje, contudo, esta visão caritativa é coisa do passado.
Com a gradativa conversão de uma sociedade agro-exportadora de produtos
primários a uma sociedade urbano-industrial diversificada, e cada vez mais
inserida na economia globalizada, o altruísmo foi cedendo lugar à reflexão
mais acurada do problema da exclusão social. O interesse público não é
apenas dever do Estado, mas obrigação coletiva - os esforços de cidadãos e
empresas de ajuda ao próximo devem ser eficientes e perseguir resultados
eficazes.
É essa dimensão de responsabilidade ética e social que faz do voluntariado
um desafio, tanto para o Estado quanto, principalmente, para a sociedade,
no sentido de: - Forjar novas formas de assistência a setores carentes e
garantir o reconhecimento de seu direito a uma vida digna; - Desenvolver
idéias inéditas de tratamento de minorias e setores marginalizados; -
Estabelecer novos canais de interlocução entre diferentes instâncias
governamentais e setores da sociedade civil; - Conceber políticas públicas
capazes de articular instituições privadas e organizações
não-governamentais da ação social; - Criar mecanismos mais eficazes de
transparência e controle de gastos, com base em recursos doados pela
comunidade; - Profissionalizar a gestão desses valores, passando a
encará-los como "investimento social", e não mais como esmola.
Do progressivo enfrentamento desse desafio, já é possível identificar,
atualmente, alguns importantes dividendos que, pouco a pouco, conseguimos
colher nos últimos anos.
Um deles é a expansão do "terceiro setor", mediante a ruptura da separação
clássica entre público e privado, no qual o primeiro é visto como sinônimo
de "estatal" e o segundo encarado como sinônimo de lucro. O "terceiro
setor" é, justamente, o espaço que não pertence nem ao Estado nem ao
mercado, e cujas ações têm por objetivo o interesse público, por meio de
iniciativas não-estatais e voluntárias. Trata-se, em outras palavras, de
um espaço intermediário, marcado pela diversidade de atores e tipos de
organização.
O segundo dividendo é a veloz multiplicação das "empresas cidadãs". Ou
seja, de corporações industriais, companhias comerciais e grupos
financeiros, cada vez mais sensíveis aos problemas do meio ambiente em que
atuam, desenvolvendo projetos comunitários e operando como eficazes
agentes no resgate da dívida social.
Uma pesquisa concluída no ano passado pelo Instituto de Pesquisa Econômica
e Aplicada IPEA - revela que, de uma amostra de 1.752 empresas de todos
setores, na região Sudeste, pelo menos 67% passaram a promover ações sociais.
A centelha para essa proliferação de "empresas cidadãs" é a
conscientização das novas gerações de empresários e executivos, de que a
economia de mercado - o melhor meio de determinar a alocação adequada de
recursos e orientar as ações dos agentes econômicos - não precisa ser
injusta para funcionar bem e se expandir.
Não é preciso raciocinar muito para se constatar que, ao optar por esse
tipo de participação comunitária e voluntária, as empresas são
beneficiadas, não só em termos de imagem corporativa perante o público
consumidor, mas também em sua competitividade. Afinal os ganhos de
qualidade e produtividade estão diretamente relacionados aos níveis de
escolaridade da população, ao acesso às novas formas de conhecimento
propiciadas pela sociedade da informação, e ao grau de formação das
crianças, jovens e adolescentes, em busca de uma colocação profissional.
O terceiro e último dividendo, que também já estamos começando a colher, é
o fortalecimento do contrato social. Graças ao conceito de
"responsabilidade social", à multiplicação das "empresas cidadãs" e à
expansão do voluntariado, a sociedade brasileira passa a contar com quatro
fatores fundamentais para o fortalecimento do regime democrático: - A
reafirmação dos ideais republicanos da liberdade, igualdade e
fraternidade; - A crescente participação de cada um de nós na fixação dos
destinos de nossa comunidade; - A descoberta de que a prática da cidadania
não se reduz ao exercício do voto, mas estende-se na participação múltipla
e cotidiana da administração do que nos é mais próximo; - O adensamento
das formas de representação, pois a mobilização de recursos, energias,
habilidades e competências, e a proliferação de organizações do terceiro
setor, com seus modos diversificados de intervenção no social, sedimentam
as formas de sociabilidade, fortalecem os laços de reciprocidade,
multiplicam os espaços de diálogo e interlocução entre os brasileiros,
assegurando, com isso, maior transparência em nossas práticas políticas,
um novo padrão ético na sociedade, bem como um novo padrão moral em nossa
vida cívica.
Milú Villela,
Presidente do Comitê Brasileiro do Ano Internacional do Voluntário
e do Centro de Voluntariado de São Paulo.
https://www.alainet.org/pt/articulo/105218
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