Razões espirituais para ser contra a ALCA
04/09/2002
- Opinión
“Eu reconheço quem é de Deus, não quando fala de Deus, mas por sua maneira de
falar deste mundo”, dizia Simone Weil. Talvez, essa palavra explica porque
pastores de diversas Igrejas se unem a organizações da sociedade civil para
promover, nesta Semana da Pátria, uma consulta popular: o plebiscito sobre a ALCA
– Área de Livre Comércio das Américas.
Em uma sociedade, cada vez mais centralizada pelo pensamento único e menos
sensível a mobilizações populares, é importante que os cristãos sejam profetas de
Deus e testemunhem. No tempo da ditadura militar, alguns diziam: “o povo não sabe
votar”. Agora, dizem: “O povo não sabe o que é ALCA e nem tem condições de
responder à consulta”. Só o governo pode fazer plebiscito. Graças a Deus, aumenta
o número dos que pensam que esta realidade sócio-econômica é séria demais para
ser deixada apenas com técnicos e políticos de plantão. O que está em jogo com
esse projeto da ALCA trará conseqüências terríveis para a vida de toda a
população. Por isso, as comunidades de base e o povo, em geral, têm o direito de
votar e opinar sobre isso.
A conferência dos bispos do Canadá publicou um documento com o título: “Vendendo
o futuro: uma reflexão sobre a relação entre Empresas que investem, o Estado no
Tratado do Livre Comércio e sua expansão a toda a América Latina”. Nesse
documento, os bispos alertam: “Do modo como está pensada, a ALCA afeta a condição
soberana dos Estados, traz prejuízos ao meio ambiente e dificulta a participação
democrática do povo nos atos do governo”. O documento revela que, por acordos
anteriores do mesmo tipo, a população pobre do Canadá viu diminuir sua renda e
nos Estados Unidos se eliminaram 760 mil empregos. Para os bispos canadenses, “a
ALCA é o tratado de comércio e de investimentos mais invasor da história. As
negociações do mesmo se fizeram excluindo do debate a sociedade civil e os grupos
populares”.
Por tudo isso, as comunidades populares do Brasil realizam uma profecia ao se
pronunciar sobre este acordo, mesmo se o plebiscito não é oficial. A verdadeira
democracia e o exercício da cidadania se realizam para lá dos estreitos limites
oficiais. E isso diz respeito não só a nossas convicções políticas, mas à fé.
Tudo o que atenta contra a justiça e a vida dos pobres atenta contra o Deus da
vida.
Partilho com vocês a opção de seguir a Jesus Cristo que disse: “Quem acolhe a um
pequenino em meu nome é a mim que acolhe”. Por isso, situo-me em comunhão com os
povos indígenas, os movimento dos lavradores sem terra, as organizações de pobres
da cidade e do campo. Sonho com um mundo no qual as nações se integrem
verdadeiramente, a economia se torne realmente mundial e as culturas se encontrem
em um diálogo profundo, a partir da solidariedade e da justiça.
A União Européia levou décadas para se concretizar. Foi necessário países mais
ricos socorrerem nações mais pobres, como Portugal, Espanha e Grécia, para
nivelar capacidades e possibilitar um acordo mais igualitário. Não pode haver
tratado justo, baseado em desigualdades imensas como acontece entre a economia
dos Estados Unidos e a de nossos países da América Latina. A própria sabedoria
bíblica recorda: “Não te associes a alguém mais poderoso e rico do que tu. O que
um jarro de barro pode ter em comum com uma panela de ferro? Quando batem uma na
outra, é sempre o jarro de barro que se quebra. (...) Pode o lobo andar junto com
o cordeiro? ... Que aliança pode haver entre a hiena e o cão? Que acordo pode
haver entre um rico e um empobrecido?”(Eclo 13, 2- 3 e 17 e 18). O salmo 33
canta: “O Senhor anula os projetos das nações poderosas. Ele é nosso auxílio e
nosso escudo”.
* Marcelo Barros, monge beneditino, autor de 25 livros, dos quais o mais recente
é "O Espírito vem pelas Águas" (A crise mundial da Água e a Espiritualidade
Ecumênica) Ed. CEBI- Rede.
https://www.alainet.org/pt/articulo/106330
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