Primavera dos Movimentos Sociais
24/09/2003
- Opinión
Começou a primavera, estação das flores e dos amores;
tempo de novos sons, novos cantos e novas cores.
O céu, o ar, os campos e as ruas parecem ganhar outra vida,
a natureza renasce e deixa na alma uma saudade indecifrável
de um paraíso que já se foi ou que ainda está por vir.
Seria exagero afirmar que a primavera
é, por excelência, a estação dos movimentos sociais?
Não são eles que, no velho terreno da história,
lançam sementes que renovam rumos e horizontes,
cultivando iniciativas inovadoras e criativas
e fazendo por todos os lados germinar botões
que, cedo ou tarde, hão de desabrochar em flor?
A superfície do planeta exibe hoje um triste cenário de escombros,
as coisas e os seres vivos sofrem os efeitos de uma civilização
predatória:
tudo se vende, tudo se compra, tudo se troca, tudo se mercantiliza!
As ruínas vão se acumulando e expondo a nudez de um mundo sem alma.
No olhar vago e perdido das pessoas, na agonia das águas contaminadas,
na fauna e na flora devastadas, na extinção irreversível das espécies,
flagram-se instantâneos de um retrato sinistro que afeta todas as formas
de vida.
Apesar dos alertas, os ventos de uma destruição progressiva
continuam rugindo furiosamente contra nossas portas e janelas,
anunciando pela mídia catástrofes cada vez mais trágicas.
Fome e miséria convivem com a idolatria do corpo e do mercado de consumo,
o despovoamento e o deserto junto com as multidões apinhadas nas
metrópoles,
as "casas fortaleza" com o desemprego e a droga, a violência e o crime.
Respira-se um oxigênio poluído e revestido de medo e insegurança:
os cidadãos tornaram-se reféns de seus jovens e adolescentes,
ao mesmo tempo réus e vítimas da crescente exclusão social.
Enquanto isso, de seu trono indiferente e inacessível, mas de barro,
o império e o tirano vomitam leis, espalham soldados e semeiam o terror.
Em meio a este inverno frio e rigoroso da devastação,
despontam por toda parte as flores e os sinais da primavera:
milhares de organizações e movimentos ocupam ruas e campos,
tomam páginas de jornais e espaço nos meios de comunicação social.
Um rumor de passos e de vozes, de cantos e de tambores
ressoa no coração de homens e mulheres e no ventre da terra.
O chão foi fecundado pela força das mobilizações populares,
uma nova criança está a caminho, a marcha avança,
a história e cada ser vivo gemem e sofrem as dores do parto.
A primavera dos movimentos sociais proclama em volta alta
que, se a gente quiser e se organizar, "um outro mundo é possível".
Brasília/DF, 24 de setembro de 2003
https://www.alainet.org/pt/articulo/108446
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