O grande domínio do deus mercado

20/07/2011
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Em seu livro: “A Grande Transformação”, Karl Polanyi demonstra que até o final do século XVIII em todas as sociedades, o sistema econômico estava imerso (entranhado) no sistema social. Isto é, o mercado, embora ainda insipiente, tinha como finalidade atender as necessidades sociais, pela oportunidade que dava a simples troca de bens. Anteriormente àquela época nenhuma economia era controlada e subordinada às regras de mercado. O liberalismo econômico pregado por Adam Smith vinha definir os três pilares para atividade econômica que se sustenta até hoje: a) Mercado livre – sem intervenção do estado; b) Liberdade da iniciativa individual – qualquer um pode abrir seu negócio por conta e risco; c) Desregulamentação do estado em assuntos de economia.
 
Embora a instituição do mercado sempre estivesse presente na história humana, “(...) era apenas um aspecto acessório de uma estrutura institucional controlada e regulada, (...) pela autoridade social". Por esta via de raciocínio a economia pela sua pequena expressão, sempre se entendeu como um sistema particular para atender as necessidades sociais no interior da sociedade.
 
Enquanto que uma sociedade estruturada no mercado, o objetivo é o acúmulo de ganhos monetários; em outras economias (a solidária, por exemplo) o que se busca é a reprodução e distribuição material da própria vida.
 
O avanço e o poder do sistema econômico adquirido no século XIX, particularmente na Europa, permitiram que ele se separasse institucionalmente do resto da sociedade criando uma base cientifica própria, pelas três premissas acima. Para Polaniy, esta é a principal característica da nossa civilização, a primeira a se basear em fundamentos econômicos (da escassez): implica que todas as sociedades estão "limitadas pelas condições materiais da sua existência - este é um traço comum a toda a vida humana, na verdade à toda a vida". O que mudou na nossa sociedade de hoje, "ao invés da economia estar embutida nas relações sociais, são as relações sociais que estão embutidas no sistema econômico". Houve uma mudança de paradigma radical.
 
A Terra, o Trabalho e o Dinheiro que são os primórdios do estudo científico da economia, para Polaniy são mercadorias fictícias (ou aparentes), uma vez que eles não foram produzidos como mercadorias, mas o sistema capitalista o trata como se assim o fosse. Organizar a economia através do mercado pressupõe uma revolução completa, de tal forma que a natureza (terra, florestas, água, seres vivos etc), o ser humano (pelo seu trabalho) e o dinheiro, passam a serem tratados como mercadorias. Pela clássica teoria econômica, a terra e o trabalho assumem o papel de “mercadorias” por serem elementos de valoração mercadológica e de trocas. Em outros termos são negociáveis, logo formam também um mercado. Mas intrinsecamente eles não são mercadorias: "Trabalho é apenas um outro nome dado para a atividade humana que acompanha a própria vida que, por sua vez, não é produzida para a venda. Terra é apenas outro nome para a natureza, que não é produzida pelo homem. Finalmente, o dinheiro é apenas um símbolo do poder de compra e, como regra, ele não é produzido, mas adquire vida através do mecanismo dos bancos e das finanças estatais", conclui Polaniy. 
 
Esclarece ele, entretanto, que levantar a bandeira do primado da sociedade sobre a economia como condição de sobrevivência da humanidade representaria o fim da sociedade de mercado, mas que isso "não significa, de forma alguma, a ausência de mercados", e sim que o mercado deixe de ser "um órgão de auto-regulação econômica" guiado apenas por um sistema de preços.
 
Sem pretender um aprofundamento conceitual e também a volta saudosa do passado, é de se refletir sobre o domínio escravizante que o modelo de mercado está submetendo toda uma civilização. Se o mercado fosse o grande regulador das ações sociais, na pretensão dos neoliberais, como então se explicaria a crise econômica que hoje se abate sobre todos nós? As explicações são infindáveis, mas qual é a mais consistente e primordial, até agora ninguém encontrou.
 
- Sergio Sebold – Economista e Professor de Pós-Graduação da UNIASSELVI – Blumenau - SC
 
https://www.alainet.org/pt/articulo/151320

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