Centrais do Cone Sul: “Acordo UE-Mercosul é mortal para nossa indústria e empregos”
- Opinión
A Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS), em comunicado divulgado na sexta-feira (28), afirma que o acordo de livre comércio assinado em Bruxelas entre o Mercosul e a União Europeia (UE) abrirá o mercado regional sul-americano aos produtos industriais do velho continente, tendo “um funesto impacto no sistema produtivo da região em geral” e, consequentemente, para a classe trabalhadora, tanto com relação a quantidade quanto a qualidade do emprego, além de resultar em situações imprevistas de deslocamento social (migrações do campo para a cidade, desemprego industrial em massa).
A entidade, que aglutina 20 centrais sindicais da Argentina, Brasil, Chile, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Venezuela, denuncia também os riscos da “triangulação” de produtos elaborados em países fora do acordo, onde os salários são muito baixos e os direitos trabalhistas mais básicos não são respeitados; e a questão dos serviços estratégicos para o desenvolvimento das nações, entre outros.
A Coordenadora encerra a nota lembrando que apresentou várias vezes para as autoridades de ambos os blocos as principais preocupações para que a negociação avançasse para um verdadeiro acordo que permitisse fortalecer as relações políticas, sociais, econômicas e culturais entre ambas as regiões, capaz de promover o respeito aos direitos humanos, ao emprego digno, ao trabalho decente, ao desenvolvimento sustentável e aos valores democráticos. “No entanto não obtivemos as respostas esperadas, nem uma participação real e efetiva nas negociações, o que motiva nossa absoluta rejeição ao presente acordo, tanto em relação a sua forma quanto a seu conteúdo”, conclui.
Comunicado das Centrais Sindicais dos Cone Sul sobre o Tratado de Comércio UE-Mercosul
Considerando a assinatura do tratado de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE), a Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul alerta aos nossos povos sobre o funesto impacto que este acordo terá para o sistema produtivo da região em geral, e para certos setores estratégicos da produção em particular, tais como tecnologia, sistemas marítimo e fluvial, obras públicas, compras do Estado, laboratórios medicinais, indústria automotriz, economias regionais (em especial as vinculadas ao azeite de oliva, vinhos e espumantes, queijos e produtos lácteos, entre outros), concluindo que a assinatura deste acordo é a sentença de morte de nossas indústrias e de grande parte do nosso trabalho decente e emprego de qualidade.
Quanto às formas em que o acordo está sendo negociado, temos a obrigação de reiterar mais uma vez nossa profunda preocupação com a total falta de transparência e opacidade com que as negociações foram realizadas. Em relação aos conteúdos, expressamos nossa legítima preocupação por um acordo que não leva em conta as sensibilidades de ambas as partes em matéria do emprego e nem a necessidade de que o mesmo contribua para um esquema de desenvolvimento simétrico e equilibrado das duas regiões. Especificamente, nos preocupam – entre outros – os seguintes pontos que consideramos extremamente sensíveis para o interesse social em geral e dos trabalhadores e trabalhadoras em particular:
Cobertura das ofertas e ritmo de redução dos impostos das cestas de mercadorias: soubemos que a cobertura das ofertas é superior a 90%, o que indica que se trata de um acordo de livre comércio de caráter muito amplo, com liberalização quase total do comércio bi-regional. Além disso, foram negociadas acelerações no ritmo de redução das taxas previsto, ficando a maioria do comércio bilateral compreendido dentro de um período de redução tarifária de menos de 10 anos. Acreditamos que tanto a amplitude da cobertura quanto a finitude dos períodos de redução dos impostos atentam contra uma transição ordenada dos setores produtivos em direção a uma situação de livre comércio bi-regional, que poderia ter impactos substanciais tanto na quantidade quanto na qualidade do emprego em ambas as regiões, assim como resultar em situações imprevistas de deslocamento social (migrações do campo para a cidade, desemprego industrial em massa).
Regras de origem flexíveis: sabemos que estão sendo negociadas regras “flexíveis” para a determinação da origem dos produtos, com o objetivo de poder usar insumos importados de países terceiros. Esta “flexibilidade” acarreta um alto risco de “triangulação” de produtos que são desenvolvidos principalmente em países alheios ao acordo, de baixíssimos salários e onde não são respeitados os direitos trabalhistas mais básicos, e que com um processamento ou rotulagem mínimos poderiam desfrutar dos benefícios das preferências concedidas.
Serviços estratégicos para o desenvolvimento de nossas nações: preocupa-nos a inclusão na negociação de alguns setores de serviços que são estratégicos para o desenvolvimento nacional, como o transporte marítimo e fluvial, os serviços audiovisuais, serviços de energia e serviços financeiros.
Manutenção do poder de compra do Estado: historicamente, o poder de compra e contratação do Estado nacional tem funcionado como uma potente ferramenta para o desenvolvimento industrial. É necessário manter esse poder por parte dos diferentes Estados nacionais em todos os níveis (nacional, estadual e municipal), especificamente no que diz respeito às obras públicas, e evitar conceder “tratamento nacional” às empresas dos países de ambas regiões.
Rejeição à extensão das patentes e à proteção dos dados de teste: a realidade mostra que o sistema de patentes no caso de medicamentos só serve para excluir do mercado os novos competidores, notadamente os produtores públicos ou privados de medicamentos genéricos. Rechaçamos a inclusão de cláusulas de extensão de patentes e de proteção de dados de teste no marco do capítulo sobre propriedade intelectual, com o objetivo de incentivar a produção local de produtos farmacêuticos e facilitar o acesso à saúde e a medicamentos para ambas as populações.
Fomento de setores produtivos específicos: todo acordo que pretenda o desenvolvimento simétrico e equilibrado do conjunto das partes requer a existência de mecanismos que permitam um processo de reestruturação dos setores mais sensíveis e de fomento a novos setores produtivos geradores de emprego de qualidade e valor agregado. Um acordo com estas características requer manter e incluir instrumentos tais como salvaguardas comerciais, cláusulas de indústria nascente, regimes suspensivos e licenças de importação, todos eles permitidos e regulados atualmente pela Organização Mundial do Comércio (OMC), que não seriam parte desta negociação.
Promoção de Pequenas e Médias Empresas (PMEs): embora saibamos que existem cláusulas específicas na negociação em matéria de PMEs, as mesmas se limitam a melhorar a circulação de informações técnicas e legais do acordo. Para beneficiar-se efetivamente com o acordo, as PMEs necessitam de apoio financeiro e de transferência tecnológica para poder enfrentar positivamente um processo de abertura comercial, modernização tecnológica e melhoria da competitividade, elementos que não estão previstos na atual negociação.
Inexistência de estudos de impacto completos: é imprescindível contar com estudos e de impacto que revelem os verdadeiros resultados do acordo. O Mercosul sequer apresentou uma análise semelhante. Consideramos imprópria a assinatura de um acordo com a amplitude do presente sem conhecer os resultados econômicos e sociais do mesmo em termos gerais, e muito menos sem ter estimado o impacto sobre a quantidade e qualidade do emprego.
Em suma, desde o movimento sindical do Cone Sul apresentamos reiteradas vezes às autoridades de ambos os blocos nossas principais preocupações e exigências para que a negociação avance para um verdadeiro acordo de associação que permita fortalecer as relações políticas, sociais, econômicas e culturais entre ambas regiões, e que seja capaz de promover o respeito aos direitos humanos, ao emprego digno, ao trabalho decente, ao desenvolvimento sustentável e aos valores democráticos. No entanto, não obtivemos as respostas esperadas, nem uma participação real e efetiva nas negociações, o que motiva nossa absoluta rejeição ao presente acordo, tanto em relação a sua forma quanto a seus conteúdos.
Cone Sul, 28 de junho de 2019
29 de junho de 2019
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